Após ficar 102 dias isolada em uma toca desde seu nascimento, Nur, a primeira filhote de urso-polar nascida oficialmente na América Latina, foi apresentada ao público do Aquário de São Paulo nesta quinta-feira (27).
O nascimento de Nur, cujo nome significa “luz” em árabe, foi revelado pela BBC News Brasil em 13 de fevereiro.
Após o parto, que ocorreu na manhã de 17 de novembro do ano passado, mãe ursa e a filha ficaram isoladas em uma toca escura.
Nur, que nasceu com 400 gramas, agora já pesa 7 quilos. Segue todos os passos da mãe num espaço mantido em temperaturas em torno de 4°C.
A ursinha ainda hesita em entrar na água atrás dela. Segundos os veterinários, é normal ainda tenha medo de nadar, habilidade que vai aprender imitando a mãe, e isso pode levar alguns meses.
“A chegada de Nur contribuirá para conscientizar o público e manter um compromisso com a preservação ambiental”, diz o diretor do Aquário, Anael Fahel.
Nur inaugurou uma estatística na América Latina. Especialistas em ursos polares de diferentes países consultados pela BBC News Brasil disseram ser oficialmente a primeira vez que o nascimento de um filhote de urso-polar é registrado na região.
A ursinha é filha do casal formado por Aurora e Peregrino, que há uma década moram em São Paulo.
A equipe do Aquário de São Paulo disse ter registrado a cópula da dupla em maio de 2024. Cinco meses e meio depois, Nur nasceu.
Aurora, no entanto, já tinha dado à luz anteriormente, em 2023, mas o filhote não resistiu aos primeiros dias de vida. Um estudo publicado no Canadian Journal of Zoology aponta que 44% dos ursos polares não chegam a completar um ano.
Nur foi o sexto filhote de urso-polar nascido em todo o mundo em 2024. Foram quatro na Rússia, um na Alemanha, além do filhote brasileiro.
Cuidado
No começo do mês, a BBC News Brasil mostrou pela primeira vez as imagens da cópula de Aurora e Peregrino.
Os vídeos também mostram os cuidados da mãe nas primeiras semanas do bebê e os passos ainda desajeitados da cria.
Laura Reisfeld, chefe do departamento veterinário e porta-voz do Aquário de São Paulo, é quem segue de perto o desenvolvimento de Nur.
“Acordei com o coração na boca. Foi emocionante! Eu me arrepio só de lembrar”, diz ela, recordando os primeiros momentos após o nascimento da filhote.
“Já vi esse vídeo mil vezes e, se eu assistir mais mil, eu vou me emocionar com o instinto da mãe. O bebê grita, e o instinto dela na hora é de acolher e aquecer.”
“É surreal ver um animal super ameaçado nascendo debaixo dos seus olhos. Acho que foi a experiência mais maluca e incrível da minha vida.”
Na natureza, estima-se uma população de cerca de 26 mil ursos polares, a maioria no Canadá.
A espécie está vulnerável à extinção —com as mudanças climáticas sendo um fator-chave no seu declínio.
Após a cópula do casal de ursos no ano passado, os tratadores e veterinários do Aquário de São Paulo começaram a monitorar uma possível gestação.
Não era possível ter certeza, porque não há um exame de gravidez confiável para ursos polares. A espessa camada de gordura do animal impede, por exemplo, que seja feito um ultrassom.
Mas outro importante sinal de gestação foi identificado pelos veterinários: uma mudança na dieta de Aurora.
Como uma ursa chega a ficar meses sem se alimentar enquanto se dedica exclusivamente ao filhote, ela se prepara para esse período em jejum comendo bastante.
Isso ocorre porque a reserva de gordura é essencial para a produção de leite para alimentar o filhote.
Em algumas semanas, a ursa começou a dormir mais, ficar mais tempo em repouso e a negar a alimentação – sinais dos momentos finais de uma gravidez.
Nasce Nur, a ursa polar brasileira
O nascimento de Nur provocou euforia nos funcionários do Aquário, mas também preocupação, porque as primeiras semanas eram cruciais para a vida da bebê.
A reprodução do urso-polar é um desafio, dizem os especialistas. Primeiro, porque existem só alguns casais de ursos polares em zoológicos ao redor do mundo.
Além disso, o casal precisa se dar bem e a dupla estar saudável para a reprodução. Após o nascimento, a mãe também precisa desenvolver o instinto de cuidado com o filhote.
Logo nos primeiros momentos de vida, Aurora demonstrou preocupação com Nur, que se desenvolveu bem.
Com as boas notícias, o Aquário preparou uma força-tarefa à espera de aumentar a visitação e receber até 4 mil pessoas por dia.
A empresa anunciou o plano de dobrar o número de educadores ambientais para 20, além de reformar e instalar televisores na área onde vivem mãe e filhote.
De acordo com o zoológico de Berlim, na Alemanha, o nascimento do urso-polar Knut, em 2006, atraiu mais de 2 milhões de visitantes.
O filhote virou tema de brinquedos, camisetas, filme e ganhou até uma biografia. Mas morreu aos 4 anos, após ter uma convulsão e desabar em um fosso – diante de muitos visitantes que estavam lá para vê-lo.
‘Devolvam os ursos para a Rússia’
A história do casal de ursos polares no Brasil começou há dez anos, quando eles chegaram vindos do zoológico de Kazan, na Rússia.
Peregrino nasceu no zoológico russo. Já Aurora ficou órfã com a irmã depois que a mãe delas foi morta por caçadores no Ártico.
Antes mesmo de aterrissarem em São Paulo, a presença dos ursos polares foi duramente atacada por grupos de proteção animal com protestos semanais, faixas, gritos de palavras de ordem e uma pressão para desestimular a visitação e o financiamento do espaço.
Os manifestantes argumentavam que o interesse do Aquário em manter esses animais em cativeiro e estimular sua reprodução é exclusivamente comercial, por meio da cobrança de ingressos para visitação.
Atualmente, a entrada para um adulto visitar o Aquário de São Paulo custa R$ 120. Há descontos para crianças, estudantes, idosos e outros grupos. O local diz receber mais de meio milhão de visitantes por ano.
Os ativistas também dizem que o espaço de 1,5 mil metros quadrados, onde os ursos vivem no Aquário, é insuficiente para o bem-estar deles e pedem para que os animais sejam devolvidos para o território russo.
Uma norma do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) prevê um espaço mínimo de 300 m² para cada casal de ursos polares abrigados no Brasil.
Em entrevista à BBC News Brasil, Robert Young, doutor em preservação da vida selvagem e professor na Universidade de Salford, na Inglaterra, avaliou que, embora o ambiente onde os ursos ficam em São Paulo possa parecer pequeno, o que mais conta é a qualidade do espaço onde os animais estão, além de respeitar o tamanho mínimo exigido por lei.
“Obviamente, é mais fácil colocar mais recursos em uma área grande”, diz Young.
Para o especialista, o raríssimo nascimento de um animal exótico como um urso polar em um país tropical pode gerar debates positivos sobre conservação ambiental.
“Muitas pessoas vão querer ir ao aquário ver o urso e mais gente vai buscar entender o comportamento desse animal na natureza. Vão descobrir que a região do polo norte foi muito atingida pelo aquecimento global e que há uma consequência disso inclusive para as pessoas que vivem no Brasil”, diz Young.
“Nascimentos como esse podem mudar o comportamento das pessoas e suas culturas. [O público] poderá ver o bebê e refletir sobre o que aconteceu de errado para essa espécie estar em extinção.”
A equipe do Aquário afirma que o ambiente onde os ursos vivem tem tanque com 1 milhão de litros de água refrigerada para os animais nadarem.
Além disso, há um teto retrátil que permite que os ursos recebam luz solar nos dias mais frios do inverno e outono paulistanos.
O Aquário reconhece que o melhor ambiente para um animal selvagem é a natureza.
Por outro lado, afirma que, sem condições de estar inserido na vida selvagem, o nascimento de um filhote é um sinal de bem-estar e que os ursos polares estão confortáveis.
Este texto foi publicado originalmente aqui.