Em 1650, Pietro Mengoli (1626–1686) defendeu na Universidade de Bolonha uma tese intitulada “Novas quadraturas matemáticas ou adição de frações” (em latim). Nela, provou que a soma 1/1+1/2+1/3+1/4+1/5+… dos inversos dos inteiros positivos é infinita. O argumento dele é ensinado até hoje nas aulas de cálculo.
Mengoli também provou que a soma 1/12+1/22+1/32+1/42+1/52+… dos inversos dos quadrados dos inteiros é finita, e perguntou qual seria o seu valor. Durante mais de um século, essa questão desafiou os melhores matemáticos da Europa, inclusive os irmãos Jacob e Johann Bernoulli. Acabou ficando conhecida como Problema da Basileia, em referência à cidade suíça onde os Bernoulli moravam.
O problema só foi resolvido em 1735 por Leonhard Euler (1707–1783), que também era da Basileia e estudara com Johann Bernoulli, mas se mudara para São Petersburgo, a capital do império russo. Em trabalho apresentado à Academia de Ciências da Rússia, Euler provou que a soma 1/12+1/22+1/32+1/42+1/52+… é igual π2/6.
Este sucesso o levou a estudar a expressão ς(s)=1/1s+1/2s+1/3s+1/4s+1/5s+…, que hoje é conhecida como função ς (zeta) de Euler–Rieman, para outros valores do expoente s. Euler percebeu que a função ς está relacionada com os números primos, inclusive usou-a para provar que a soma 1/2+1/3+1/5+1/7+1/11+… dos inversos dos primos é infinita. Em particular, concluiu, a quantidade de números primos tem que ser infinita (Euclides já sabia disso, mas a prova do Euler é a minha favorita!).
Euler também provou que ς(s) é um número irracional, ou seja, não é uma fração de números inteiros, sempre que s é um inteiro par. Surpreendentemente, o caso ímpar é bem mais difícil, e permaneceu sem solução durante mais de duzentos anos.
Assim, foi com muito ceticismo que, em 1978, a comunidade matemática internacional recebeu o anúncio de que o francês Roger Apéry (1916–1994) teria provado que ς(3)=1/13+1/23+1/33+1/43+1/53+… é um número irracional.
O ceticismo (saudável!) da comunidade não tinha só que ver com o fato de se tratar de um problema antigo e muito difícil, ele também estava ligado à própria prova de Apéry. Sempre que buscamos provar um fato matemático é crucial escolher uma estratégia, um caminho lógico formado por passos intermediários que tenham boas chances de serem verdadeiros e que, na sequência correta, levem ao resultado pretendido.
Ora, no caso da estratégia de Apéry muitos desses passos intermediários eram fórmulas totalmente surpreendentes, pareciam caídas do céu: até hoje não sabemos como e por que ele intuiu que elas seriam verdadeiras. Bastaria que uma fosse falsa para a prova colapsar!
Mas resulta que todas essas fórmulas estavam corretas e os céticos foram se convencendo da prova. Na sepultura de Apéry, no cemitério Père Lachaise, em Paris, uma inscrição matemática assinala a façanha: 1+1/8+1/27+1/64… ≠ p/q.
Mas a saga não termina aí. A partir do resultado de Apéry, era de se esperar que o seu método pudesse ser generalizado para mostrar que ς(5), ς(7), … também são irracionais. Ao longo deste meio século foram publicadas várias tentativas nesse sentido. Que eu saiba estão todas erradas. Mas, recentemente, pesquisadores norte-americanos fizeram progressos muito promissores…
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