Livro oferece dicionário sobre evangélicos – 05/02/2025 – Cotidiano

A premissa de “Crentes – Pequeno Manual sobre um Grande Fenômeno” é mais ou menos esta: a fatia de evangélicos na população cresceu um bocado nas últimas décadas, e ainda vai dilatar um tanto até, em alguns anos, provavelmente virar a maioria religiosa no Brasil.

Mas a abordagem sobre esse grupo, nos círculos seculares, lembra um tanto aquela fórmula Globo Repórter para falar de algo que nos soa exótico: “Onde vivem, o que comem?”. E o que querem esses tais de crentes?

A ideia do livro, que chega às livrarias pela Record (238 págs.) no próximo dia 17, é fornecer, no formato de tópicos, um guia prático e despido de estereótipos sobre o segmento. A começar por reconhecer que não existe por que usar o singular quando tratamos de uma turma tão plural em vários sentidos, da interpretação teológica à compreensão sobre temas que dividem a sociedade, como aborto e comunidade LGBTQIA+.

Que os batistas sirvam de exemplo: com múltiplas ramificações, a denominação pode pender para o protestantismo histórico ou para a versão pentecostalizada e abrange pastores tão diferentes entre si como os progressistas Ed René Kivitz e Henrique Vieira, deputado do PSOL, e os conservadores André Valadão e Josué Valandro Jr., pastor da igreja de Michelle Bolsonaro.

Nos EUA, aliás, eram batistas tanto Martin Luther King, que dispensa apresentações, quanto Jerry Falwell, o arquiteto do lobby ultraconservador Maioria Moral.

O antropólogo Juliano Spyer, colunista da Folha que já havia abordado o assunto em “Povo de Deus: Quem São os Evangélicos e Por Que Eles Importam”, é o único não crente no trio de autores. Guilherme Damasceno é pastor e teólogo, e Raphael Khalil, antropólogo que cresceu em lar adventista e hoje é fiel de uma igreja independente.

Spyer destaca como mérito da obra esse caleidoscópio de visões, que combina experiências pessoais e escrutínio acadêmico. “Não é só a ciência que fica com um bisturi analisando este animal estranho que é o evangélico”, diz. Um trabalho, acrescenta Kalil, que não se deixa monopolizar “nem pela frieza da ciência, nem pelo calor do crente”.

Se eles destacam a pluralidade do meio, também se arriscam a traçar um denominador comum para o que significa ser evangélico hoje no país.

O fiel médio, segundo Damasceno, é alguém que frequenta o templo no mínimo duas vezes por semana, busca ascensão social e promove seus valores religiosos em outros espaços, como trabalho e política.

Spyer atenta para uma malha formada sobretudo por igrejas pequenas e independentes —as que acomodam até 200 pessoas, de acordo com pesquisa Datafolha realizada no ano passado, são 71% da rede paulistana. “Elas estão na linha de frente desse tipo de cristianismo, mais distantes da linha de influência dos pastores conhecidos.”

Silas Malafaia, por sinal, pode até ser farol para fiéis e pastores de pequeno porte, mas um levantamento mostra que muitas mulheres são influencers mais poderosas, como a cantora gospel Eyshila e a ex-primeira-dama Michelle.

Para Kalil, um resumo possível do crente brasileiro: “Ele tem fé na vida, acredita que ela vai melhorar, e não vai melhora se ele ficar parado, tem que se mexer pra isso”. Ecos da lógica empreendedora somada à prosperidade creditada a Deus.

O volume escrito pelos três passeia por vários temas, como teologia coaching, feminismo cristão e traficantes que se dizem evangélicos.

Veja abaixo alguns tópicos explicados no que os autores chamam de “dicionário cultural do cristianismo brasileiro”.

Como a pessoa vira crente?

Acontece com a conversão, num “percurso pessoal e contínuo de transformação”, quando a pessoa se sente “impelida a abandonar comportamentos considerados nocivos pela igreja, como dependência em drogas, álcool e cigarro”.

O batismo é o rito de passagem para este novo membro na igreja, “marcando sua identificação pública com a fé evangélica e sua integração na comunidade crente”.

A maioria das igrejas não batiza bebês, de modo que a adesão ao evangelicalismo deve partir do próprio indivíduo.

Batismo, lembram os autores, não é sinônimo de conversão. Vide Jair Bolsonaro (PL), batizado por um pastor nas águas do rio Jordão, em 2016, sem ter se convertido. Continua se declarando católico.

‘Crentês’

Há uma seção toda dedicada a gírias e termos corriqueiros nas igrejas:

  • Atribulado: pode ser usado para “descrever alguém que está perturbado ou passando por dificuldades emocionais, espirituais ou materiais”
  • Desigrejado: o evangélico que mantém fé pessoal em Deus, mas está desvinculado de uma igreja em particular
  • Dom de línguas: grupos mais ligados ao pentecostalismo o veem como “uma capacidade concedida pelo Espírito Santo, que permite que uma pessoa fale em uma língua desconhecida ou celestial durante momentos de adoração e oração”
  • Ímpio, apóstata ou herege: seriam aqueles que vivem em desobediência a Deus e não seguem princípios bíblicos
  • Raça de víboras: vale como xingamento e se baseia em versículo no qual Jesus diz sobre os fariseus: “Raça de víboras, como podeis falar coisas boas, sendo maus?”. Hoje a expressão se aplica àqueles tidos como hipócritas e mal-intencionados, por exemplo
  • Saudações: formas adotadas em cada igreja para os fiéis cumprimentarem uns aos outros, como “paz do Senhor” e “paz e graça”
  • Secular: definição para quem “está fora do âmbito religioso ou não está diretamente ligado à fé evangélica”
  • “Tá amarrado!”: expressão popularizada por programas de televisão da Igreja Universal, durante momentos em que o fiel está supostamente possuído. O pastor exorciza o demônio e o declara “amarrado”. Quando dizem que algo “tá amarrado em nome de Jesus”, os evangélicos creem se munir da autoridade em Cristo para resistir a algum mal
  • Varão/varoa: na terminologia pentecostal, são o homem e a mulher. Os termos aparecem no Antigo Testamento

Crentes: Pequeno Manual sobre um Grande Fenômeno

Preço: R$ 69,90

Autoria: Juliano Spyer, Guilherme Damasceno e Raphael Khalil

Editora: Record

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