Acidentes de moto sobrecarregam sistema de saúde em SP – 05/02/2025 – Seminários Folha

A liberação do transporte em moto por aplicativo (motoapp) vai sobrecarregar ainda mais o sistema de saúde de São Paulo, em especial o setor de ortopedia, afirmou o secretário da pasta, Luiz Carlos Zamarco, no seminário “Transporte de Passageiros por Moto”, realizado pela Folha nesta terça-feira (4).

Segundo ele, 40 cirurgias ortopédicas estavam planejadas naquele dia na cidade, ligadas a acidentes de moto, número que tende a aumentar com a liberação do serviço. “Eu teria que dobrar o número de salas cirúrgicas e profissionais atuando na ortopedia para atender essa demanda.”

A afirmação reforça uma tese defendida pela gestão municipal. Um relatório feito por um grupo de trabalho, integrado por técnicos da Prefeitura de São Paulo e representantes de empresas, concluiu no ano passado que o serviço oferece “riscos à saúde pública”, citando o alto número de mortes de motociclistas no trânsito da capital.

Além do secretário, participaram do evento Paulo Guimarães, presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária, e Luis Fernando Villaça Meyer, diretor de operações do Instituto Cordial, centro de articulação e pesquisa especializado em segurança viária. O debate foi mediado pelo colunista e repórter da Folha Eduardo Sodré e teve patrocínio da Uber.

Segundo Zamarco, ao frear a liberação dos motoapps, a prefeitura tenta evitar o aumento de mortes ou acidentes na cidade.

“Não há segurança de que o transporte [por aplicativo] através da moto não vai aumentar o número de acidentes. A gente já tem hoje um grande número de vítimas”, disse.

Em 2024, o número de mortes de ocupantes de moto na cidade de São Paulo cresceu 19,8%, mostram dados divulgados pelo Infosiga, sistema estadual de monitoramento da letalidade no trânsito.

Ao todo, 483 ocupantes de motos morreram durante o ano, contra 403 no mesmo período do ano anterior. Essas mortes representam 46,8% de todas (1.031) registradas no trânsito da capital paulista em 2024.

Cida Valença, gestora do Instituto Mara Gabrilli, que atende pessoas com deficiências, também salienta a importância de considerar possíveis sequelas de acidentes com o veículo.

“Os índices costumam ser sobre acidentes que levam a óbito. Mas a gente atende uma grande demanda de pessoas que ficaram com paraplegia e tetraplegia, enfrentam um longo processo de internação e tornam-se dependentes”, afirma.

Questionada durante o evento sobre medidas de segurança, Laura Lequain, head da Uber Moto no Brasil, afirmou que a plataforma tem dado atenção ao tema.

“Lançamos a selfie de capacete, para confirmar se o motociclista parceiro está com o equipamento antes da viagem, o alerta de limite de velocidade e, para casos de incidentes, seguro para acidentes pessoais e suporte 24 horas para os motociclistas parceiros e usuários”, diz.

Para Luis Fernando Villaça Meyer, do Instituto Cordial, outros fatores podem ajudar a prevenir ou diminuir a gravidade de acidentes de moto, além da gestão da velocidade. “Identificar pontos críticos da cidade para fazer ajustes estruturais é uma questão central. A partir desses dados, é possível alterar a curvatura de uma esquina para o motociclista atingir uma velocidade menor, por exemplo.”

Segundo ele, outra medida que pode auxiliar é a faixa azul, exclusiva para tráfego de motos. Entretanto, ele destaca que a ferramenta exige uma análise mais profunda de dados. “Mesmo que os resultados sejam positivos, eles não vão ser suficientes. É necessário uma plano de segurança viária da cidade de São Paulo”, afirma.

Dados da prefeitura mostram que havia 200 km de faixas azuis na capital paulista no final de 2024.

De acordo com Paulo Guimarães, do Observatório Nacional de Segurança Viária, a liberação de motoapps também exige uma melhor formação dos motoristas.

“O ensino de condutores do Brasil é ultrapassado. No máximo, qualifica pessoas a receberem uma habilitação. No final dessa cadeia, não existem campanhas educativas, e as pessoas não têm a percepção dos riscos em que estão se colocando com as motos.”

Ele também destaca que é recomendada uma formação adicional aos trabalhadores. “Quando você tem uma atividade profissional, é necessário se capacitar. Neste caso, não apenas para a condução como para o relacionamento com os passageiros das motos. Isso precisa ser regulamentado”, diz.


Vaivém dos serviços de transporte de passageiros em duas rodas em SP

jun.2016 – Aplicativo de mototáxi T81 começa a funcionar na cidade de São Paulo. Prefeitura protesta, apontando riscos associados à atividade “em uma cidade como São Paulo”

dez.2017 – Reportagem da Folha registra pequena empresa de mototáxi funcionando no Grajaú e em Interlagos, bairros da zona sul da capital

jun.2018 – Bruno Covas sanciona lei proibindo o serviço no município

set.2019 – Justiça invalida a lei municipal porque a atividade já é regulada por lei federal de 2009 e não pode ser proibida pela prefeitura

jan.2023 – Uber anuncia início do serviço de carona de moto por aplicativo na cidade. Ricardo Nunes baixa decreto proibindo a atividade e constituindo grupo de trabalho para discutir regulamentação

14.jan.2025 – 99 volta a oferecer o serviço. Nunes promete ir à Justiça para impedir “carnificina” no trânsito da capital

15.jan – 99 entra com mandado de segurança para impedir eventual proibição judicial, mas tem pedido negado. Segundo a empresa, motocicistas realizaram mais de 10 mil corridas no primeiro dia de funcionamento do serviço em São Paulo

16.jan – 99 mantém o serviço mesmo com decisão contrária, e prefeitura apreende motos pela primeira vez

17.jan – Procuradoria-Geral do Município ingressa com ação civil pública pedindo a proibição judicial do serviço e multa diária de R$ 1 milhão para empresas em caso de descumprimento

20.jan – Em seis dias de blitz, prefeitura apreende 143 motos que faziam transporte de passageiros por aplicativo

21.jan – Motociclistas protestam contra a proibição em frente à prefeitura

22.jan – Uber anuncia início do serviço de transporte de passageiros por moto em São Paulo

27.jan – Tribunal de Justiça manda 99 e Uber interromperem a atividade em São Paulo

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