Casos de bullying em colégios extrapolam a questão digital – 06/02/2025 – Educação

Na semana passada, um dos colégios mais tradicionais de São Paulo suspendeu 34 estudantes por terem ameaçado e ofendido, de forma racista, misógina e homofóbica, outros alunos por meio de mensagens no WhatsApp. O episódio de bullying ocorreu no colégio Santa Cruz e revelou uma hierarquia tóxica, baseada em discursos de ódio, entre alunos do terceiro e primeiro anos do ensino médio. Por meio de nota, a escola afirma lamentar o ocorrido e “repudiar qualquer forma de violência”.

O nível das mensagens é deplorável, como revelou a coluna da jornalista Mônica Bergamo nesta Folha. Trotes que incitavam a ingestão de bebidas alcoólicas e pedidos de vídeos dos mais novos em trajes íntimos também estão entre os conteúdos trocados entre os jovens de 15 e 17 anos. O caso permite algumas reflexões.

Uma delas é que somente a proibição de celulares nas redes de ensino, que agora é lei federal, não coíbe esse tipo de conduta. É claro que o veto aos telefones tem como objetivo fazer com que crianças e jovens tenham mais atenção às aulas, sem as distrações contínuas que as telas oferecem, além de promover a sociabilidade e os vínculos presenciais entre eles. No entanto, é fato que o uso que adolescentes fazem das tecnologias em outros ambientes, incluindo suas casas, impacta direta e maleficamente a convivência entre eles na escola.

Excluir do cotidiano escolar o debate sobre a dinâmica das redes e aplicativos de troca de mensagens, bem como o uso ético, respeitoso e responsável deles, não anula a existência de comportamentos nocivos nesses espaços online —com consequências na vida offline, se é possível ainda fazermos essa distinção.

Outra reflexão possível emerge do questionamento: por que esse tipo de situação acontece com mais frequência em grupos e fóruns compostos por homens, jovens ou não, do que em ambientes digitais com maior presença feminina? Exemplos não faltam, inclusive em contextos escolares, como aconteceu entre 2023 e 2024 em colégios de Cuiabá (MT), Itararé (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Recife (PE). Em todas essas cidades, estudantes usaram inteligência artificial para criar nudes falsos de alunas, suas colegas, e professoras.

Não se trata de dizer que mulheres não possam ser tóxicas, violentas ou preconceituosas, mas de buscar entender como homens incorporam, desde muito novos, estruturas sociais que excluem e violentam, reproduzindo especialmente machismo, misoginia e homofobia nos mais diversos contextos —incluindo o digital.

Valeska Zanello, pesquisadora e professora do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UnB), publicou em 2020 um artigo acadêmico em que detalhou sua investigação sobre grupos de WhatsApp masculinos. No texto, ela utiliza o conceito de “casa dos homens” do sociólogo Daniel Welzer-lang para explicar relações de cumplicidade entre eles dentro dessas comunidades digitais, em que são compartilhados conteúdos altamente misóginos.

O trabalho de Zanello nos permite compreender como as ideias de masculinidade(s) e pertencimento estão entrelaçadas social e culturalmente, refletindo-se nesses grupos virtuais, onde homens reafirmam suas identidades e reproduzem condutas internalizadas de forma pactual.

O caso do colégio Santa Cruz chama a atenção porque estamos falando de adolescentes, e perceber como esses comportamentos estão naturalizados entre eles é fundamental na busca de soluções. Culpar apenas as tecnologias sem considerar e entender essas (e outras) estruturas que nos sustentam enquanto uma sociedade sexista não é um caminho efetivo. Punir sem educar também não.

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