Muito além do luxo, é cada vez maior o número de bichos de estimação com festas de aniversário, refeições especiais e acesso a serviços que antes eram reservados apenas à nossa espécie.
O fenômeno, conhecido como humanização dos pets, é mundial: os bichos estão ganhando status de filhos.
Muitos tutores não medem esforços para agradar o companheiro peludo. Uma pesquisa global da Mars feita no ano passado revelou que para 37% dos 20 mil entrevistados seus pets são a coisa mais importante da vida. O percentual é maior entre a geração Z (45%) e os millennials (40%).
Professor do curso “Inovação no trade marketing do varejo pet” da ESPM, Marcelo Pimenta afirma que há parcelas da população que preferem ter pets a ter filhos. Para elas, o animal doméstico é “uma pessoa não-humana” que está integrada ao núcleo familiar. Em alguns casos, o tutor se ofende se o bicho não for considerado da família.
O lado dos negócios
A visão humanizada dos pets é percebida pelo mundo dos negócios. No mercado imobiliário, novos condomínios surgem com jardins para passeios, pet parks e áreas de uso sanitário. A razão está em oferecer benefícios para todos os membros da família.
O setor de serviços e o comércio também estão atentos ao fenômeno. Crescem opções de produtos e especialidades que antes não se imaginavam, como sites que oferecem pessoas para fazer companhia a pets. “A gente evoluiu do banho e tosa para a clínica de estética animal,” diz Pereira.
Com 19 anos de experiência, o groomer (tosador) Renato Leiva acompanhou a transformação da atividade. Ele é dono de três negócios, inclusive um curso online de grooming com cinco mil alunos em 35 países. Para Leiva, a humanização dos bichos virou algo lucrativo para o mercado.
“Quanto mais proximidade e mimos o pet tem, maior a frequência no banho e tosa, mais o tutor gasta com alimentação super premium, melhores acessórios e creche.”
Outro setor em que pode ser percebida a influência da humanização é o de roupa para pets. Bruna Biazzi fundou a Bendog em 2018, ano em que adotou o Bento. Ela buscava acessórios para seu cachorro e não encontrou nada que não fosse infantilizado.
Decidiu abrir seu negócio e suprir essa lacuna, com modelos de alta qualidade, de algodão e fibras naturais. Em 2021, após pedidos, lançou uma linha que também atende tutores. Agora, todo inverno há moletons que vestem o cachorro e o humano.
Segundo Bruna, seus clientes consideram o pet parte da família e têm consciência da importância da adoção. “Eles valorizam o cachorro. Não exageram carregando no colo o dia inteiro. Se humanizar for trazer o pet para o centro da família, oferecendo qualidade de vida, então, que seja.”
Fica claro para o tutor quanto é desembolsado por mês para tratar o pet com as regalias possíveis? “É ímpar colocar na ponta do lápis as despesas geradas por um pet. Ração, caminha, cuidados médicos, tudo custa muito dinheiro,” diz a economista Paula Sauer, uma planejadora financeira e especialista em psicologia econômica e do consumo.
“O pet não vai ser um filhotinho para sempre. Com os avanços da medicina, a idade deles também avança. Eles vão necessitar de cuidados para uma velhice com dignidade. Um pacote de acupuntura custa, em média, R$ 600 por mês.”
Positivo e negativo
Autor do livro É Filho ou pet?, o médico veterinário Marcos Fernandes diz que há dois lados nessa questão: o positivo está ligado a uma oferta maior de abordagens terapêuticas e o negativo é o excesso, que tira o animal do lugar de animal, o que pode causar problemas para o bicho, como alergias e transtornos ansiosos.
De acordo com Fernandes, que também é psicanalista, os animais adoecem devido a gatilhos que vêm da relação com o tutor. Recentemente, ele atendeu um cachorro que tomava antidepressivo e tinha diagnóstico de síndrome do pânico. Conversou com o tutor, a quem encaminhou para uma terapia, propôs uma sessão de constelação familiar e receitou homeopatia para o cão.
Massagem, acupuntura, reiki
Dentre as terapias “humanas” que avançam no setor pet estão massagem, quiropraxia e acupuntura. Luana Pavan – veterinária, fisiatra e coordenadora da clínica Fisio4Pets – esclarece que esses tratamentos aumentaram porque os animais vivem mais e desenvolvem males como artrose.
Acupuntura é indicada para reequilíbrio e analgesia. Quiropraxia melhora a parte ortopédica. Massagem combate tensões cervicais, dor e contratura muscular. Para ela, é válido o reiki, terapia que canaliza a energia por meio da imposição das mãos sobre o corpo do paciente.
Os novos hábitos das famílias multiespécies podem gerar consequências. Os cães hoje sobem mais em sofás e é comum que durmam em camas. “Eles podem ter problemas ortopédicos”. E existe a perda de musculatura, vista em bichos que vivem nos colos dos tutores. A dica é: se o animal está saudável, faça com que ande mais.
Em relação ao reiki, a médica veterinária Érica de Luca, mestre na terapia desde 2014, conta que cada vez mais pessoas procuram pela abordagem para cuidar de seus bichos. “Todos temos corpos físico, emocional, mental e espiritual. Também os animais”, defende. “Quando a gente une esses corpos no tratamento, conseguimos trazer o máximo de harmonia”, conta Érica, que é também psicanalista integrativa e estudou ioga na Índia.
Por falar em ioga, ela vale para pets? Levar o bicho para acompanhar a rotina não tem problema. Desde 2023, o projeto Puppy Yoga promove aulas acompanhadas por cachorros de abrigos. A ideia é misturar atividade física com conscientização sobre a adoção.
Dani Barssalos, professora de ioga, empresária e criadora dessa iniciativa, queria oferecer aulas que tivessem um propósito social. Assim, procurou ONGs para serem parceiras do projeto. A Puppy Yoga já ajudou mais de 150 animais a encontrar um lar. Em sua experiência, no entanto, nunca um cão praticou ioga. Ao analisar vídeos da internet com cachorros seguindo os movimentos, Dani diz que aquilo não é mais do que adestramento. Nas aulas de ioga com os filhotes, o que eles fazem é brincar.