Desejada por três dos últimos cinco prefeitos de São Paulo, a desativação do aeroporto do Campo de Marte saiu do debate público depois de sua concessão à iniciativa privada pela União, em 2022.
A queda de um avião na avenida Marquês de São Vicente, na sexta (7), porém, voltou a jogar luz nos possíveis riscos associados a um novo aumento de voos particulares que partem e chegam do aeródromo, em área da zona norte com muitas residências e todo o tipo de comércio.
Dados do Anuário Estatístico de Tráfego Aéreo do CGNA (Centro de Gerenciamento de Navegação Aérea) apontam para a retomada no total de pousos e decolagens no Campo de Marte desde a pandemia. Se de 2014 a 2019 houve uma queda quase contínua no número de movimentações de aviões, agora a tendência é de crescimento.
Em 2023, último ano com dados disponíveis, foram 30 mil voos, número já próximo aos 31,2 mil pousos e decolagens de 2019.
No final daquele ano, durante inauguração do aeroporto Catarina, em São Roque (SP), privado e exclusivo para aviação executiva, o então governador João Doria (PSDB) anunciou que o Campo de Marte seria desativado para aviões, já que a região metropolitana ganhava uma alternativa exclusiva para os voos privados.
Desde então, o Catarina, que recentemente recebeu o voo de retorno de Neymar ao Brasil, vem conquistando espaço nesse mercado, com 11,8 mil pousos e decolagens em 2023, mas sem reduzir a demanda pelo Campo de Marte.
“O público que vai para São Roque é o público de Congonhas —jatos de maior porte que precisam de pistas maiores. A pista do Campo de Marte é limitada. Esses aviões maiores vão se dividir entre o Catarina e Congonhas, alguns migram para Jundiaí e Sorocaba, mas sempre com a inconveniência de estar a 1h30 do centro de São Paulo”, diz Flávio Pires, presidente da Amag (Associação Brasileira de Aviação Geral).
Ele defende que quem usa a aviação executiva busca comodidade e, por isso, o Campo de Marte, no entroncamento da marginal Tietê com o corredor Norte-Sul, é o preferido por quem usa esse meio para vir a São Paulo fazer negócios.
Os riscos à população que mora no entorno do aeroporto e na rota desses voos são baixos, avalia Pires.
Dados do anuário apontam que o Campo de Marte teve 21 incidentes e acidentes no ano passado, de diversos graus. Nos últimos dez anos, sem contar os números de 2025, foram 32 acidentes de voos que decolaram e/ou tinham como destino o aeroporto na zona norte, com 34 mortes.
A Folha questionou a concessionária PAX Aeroportos sobre os números. ” A operação do aeroporto e sua infraestrutura são regulados e fiscalizados pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que estabelece normas e regulamentos rigorosos. Cabe ressaltar que a Anac tem papel de normatizar, certificar e fiscalizar as atividades relativas a certificados de aeronavegabilidade atestando aeronaves, produtos e processos aeronáuticos, oficinas de manutenção além de serviços aéreos e aeronaves civis”, disse a empresa.
Braço da XP Investimentos, a PAX ofereceu R$ 141 milhões em 2022 pela concessão por 30 anos do Campo de Marte e do aeródromo de Jacarepaguá, no Rio, que tem características semelhantes.
A concessão só foi possível depois de União e prefeitura resolveram um imbróglio histórico que começou na Revolução Constitucionalista de 1932. Na ocasião, o então presidente Getúlio Vargas instalou o aeroporto federal no terreno do município, sem destinar repasses a São Paulo.
A União até tentou inverter o jogo. Em juízo, procurou demonstrar que aquelas terras eram suas com a tese de que haviam sido confiscadas pela Coroa no século 18, com a expulsão dos jesuítas, até então detentores das sesmarias, que eram imensos latifúndios.
Foram 64 anos de disputas judiciais até que as gestões Ricardo Nunes (MDB) e Jair Bolsonaro (PL) firmaram acordo para que um terreno de 1,7 milhões de metros quadrados fosse transferido à União, em troca do perdão de uma dívida de R$ 24 bilhões, que gerava juros anuais de cerca de R$ 3 bilhões.
O município ficou com um terreno de 405 mil m², recentemente concedido à iniciativa privada para ser transformado em um parque pensado desde a gestão Celso Pitta (PP), em 1997. Na época, o prefeito anunciou o Parque Temático Campo de Marte, que nunca saiu do papel.
José Serra (PSDB) e Gilberto Kassab (PSD) também propuseram um parque, sem discutir o fechamento do aeroporto, como viria a ser proposto depois por Fernando Haddad (PT). O petista falava em extinguir a operação de aviões para permitir prédios no entorno e ajudar a desenvolver a zona norte. Doria, depois, foi na mesma linha.
Bruno Covas (PSDB) manteve o plano, abandonado depois do acerto entre União e prefeitura, em 2022. A Folha questionou se a gestão Nunes defende a redução no número de voos no Campo de Marte. Na resposta, a prefeitura citou o acordo e a concessão do novo parque, mas não tratou de voos.
A PAX não respondeu se pretende ampliar o número de voos nos próximos anos. A concessionária, no entanto, promete melhorias para 2025, previstas no contrato de concessão, que permitirão ao aeroporto passar a operar por instrumentos. As cabeceiras da pista de pouso e decolagem também terão um novo sistema visual indicador de rampa de aproximação.
“Estão previstas também melhorias de infraestrutura tais como implantação de nova taxiway paralela, novo sistema de iluminação dos pátios, balizamento do sistema de pistas, reabilitação dos pavimentos, drenagem e novo cercamento de área operacional”, disse a concessionária.