Até a pandemia, Maria Mendes da Costa Neta, 42, usava trem e metrô para ir de casa, em Itapevi, ao trabalho de copeira na avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini, zona sul de São Paulo. Mas com medo de subir no transporte público naquela época de distanciamento social, resolveu pegar carona com o marido, motoboy. Até ele deixar a motocicleta nas mãos da mulher.
Desde então, dificilmente Maria Mendes utiliza transporte coletivo. Atualmente, ela viaja cerca de 30 km de moto, da cidade da Grande São Paulo até Perdizes, na zona oeste paulistana, onde é babá.
A exceção é quando o veículo é compartilhado com a filha Maria Eduarda Gonçalves Mendes, 20, que trabalha com análise técnica em Alphaville, na região de Barueri, e estuda à noite —as duas, inclusive, já chegaram a revezar a motocicleta num mesmo dia, pois tinham horários distintos. “É muito melhor que pegar trem”, afirma a mãe.
O uso de motocicleta por mulheres na região metropolitana de São Paulo, como o caso de mãe e filha de Itapevi, disparou em seis anos, aponta a pesquisa Origem e Destino, do Metrô, que será apresentada nesta terça-feira (11).
Segundo o levantamento, em 2017 as mulheres entrevistadas reportaram 67.542 viagens de motocicleta, principalmente em deslocamentos ao trabalho ou para estudar. Em 2023, quando foi realizada a atual pesquisa, o número saltou para 116.591, uma alta de 73%.
As mulheres entrevistadas eram 7% dos que estavam na condução durante viagens de motocicletas na pesquisa anterior. Na atual edição, representam 10,3%.
Ao mesmo tempo, a participação de viagens com mulheres como passageiras de moto, que era de 76,5% em 2017, caiu para 65,2% em 2023.
O estudo mostra que o número de famílias com motocicletas em casa cresceu aproximadamente 50% na região metropolitana de São Paulo entre os dois períodos comparados.
O uso de moto só não aumentou nas sub-regiões sudoeste (Embu das Artes e Taboão da Serra), por exemplo, e oeste (Barueri e Osasco).
Em 2017, diz a Origem e Destino, havia 624.461 motos reportadas por famílias que as utilizavam como meio de transporte. O número saltou para 935.110, ou seja, 49,1% a mais.
A motocicleta é uma das responsáveis pelo fato de o transporte individual ter ultrapassado o coletivo no deslocamento das pessoas na Grande SP.
O crescimento do transporte individual, resultando em 51,2% das viagens motorizadas no último período pesquisado, ocorre pelo uso de táxi convencional e carro por aplicativo (aumento de 137%) —eles são mensurados no mesmo item da pesquisa—, e por motocicletas (aumento de 15%).
O transporte coletivo, por outro lado, perdeu 3 milhões de viagens na comparação entre os períodos, quase 20%.
“Se não se oferecer transporte público decente, a moto vai tomar espaço”, afirma Sergio Ejzenberg, mestre em engenharia de transportes pela Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), que cita a queda no número de ônibus urbanos e de usuários na capital paulista desde a pandemia.
Se de um lado, a moto é um meio de transporte perigoso por causa das consequências de seus acidentes, de outro, diz Ejzenberg, dá uma sensação de segurança a mulheres que evitam pontos de ônibus à noite. “Ficar esperando condução é uma angústia.”
Nas entrevistas domiciliares da Pesquisa Origem e Destino foram contabilizadas mais de 1,2 milhão de viagens em motos em 2023, como condutor ou passageiro, número 16% maior que na pesquisa de 2017.
Ainda conforme o levantamento, 80% das pessoas que pilotam motos têm de 23 a 49 anos —o percentual é o mesmo nas duas pesquisas. Nessas mesmas faixas etárias também ocorre maior participação das viagens dos passageiros de motocicletas.
Entre os condutores, 41,1% têm renda familiar de R$ 1.908 a R$ 3.816, o maior percentual entre todas as faixas, mas menor que em 2017, quando atingiu 48,1%.
As faixas de renda preponderantes tanto para viagens dirigindo motos quanto para passageiros são as correspondentes às faixas de 2 a 4 salários mínimos e 4 a 8 salários mínimos.
No entanto, há uma ligeira perda de participação dessas faixas no período, com aumento das de rendas superiores, de 8 a 12 salários mínimos e de mais de 12 salários mínimos.
A pesquisa mostra que 85,7% dos condutores utilizam motocicletas para ir ao trabalho (966.709 viagens). Em 2017, o percentual era menor, de 81,6% (789.865 deslocamentos).
A seguir vêm educação (6,4%) e resolução de assuntos pessoais (4,1%) como os principais motivos para o uso de moto como meio de transporte.
De acordo com Luiz Cortez, gerente de Planejamento e Meio Ambiente do Metrô, a disparada na utilização de motocicletas, quando comparadas as duas pesquisas, mostra a mudança de comportamento das pessoas após a pandemia.
De quase 1 milhão de viagens reportadas para trabalho constam os entregadores que usaram a moto do trabalho para ir e voltar para casa ou como condução para o horário de almoço.
Ao todo, 93% das viagens foram feitas por pessoas que têm trabalho regular. Outros 3,5% são de motociclistas que fazem bicos.
Os dados são divulgados num contexto de aumento no número de mortes de motociclistas na cidade de São Paulo.
Segundo dados divulgados em janeiro pelo Infosiga, sistema estadual de monitoramento da letalidade no trânsito, 483 ocupantes de motos morreram em 2024, contra 403 do mesmo período do ano anterior.
Essas mortes representam 46,8% de todas as registradas no trânsito da capital paulista no ano passado, que foi de 1.031.
O número de ocorrências envolvendo motocicletas é um dos argumentos da prefeitura para manter na cidade a proibição do serviço de mototáxi na cidade, que é alvo de disputa judicial entre a gestão de Ricardo Nunes (MDB) e as empresas 99 e Uber.
USO DE MOTO COMO TRANSPORTE
Região metropolitana de São Paulo
Por sexo
2017 | ||||
Viagens como condutor | % | Viagens como passageiro | % | |
Masculino | 900.350 | 93 | 22.604 | 23,5 |
Feminino | 67.542 | 7 | 73.615 | 76,5 |
Total | 967.892 | 100 | 96.219 | 100 |
2023 | ||||
Viagens como condutor | % | Viagens como passageiro | % | |
Masculino | 1.011.680 | 89,7 | 36.851 | 34,8 |
Feminino | 116.591 | 10,3 | 69.083 | 65,2 |
Total | 1.128271 | 100 | 105.933 | 100 |
Por faixa etária
2017 | ||||
Idade | Viagens como piloto | % | Viagens como passageiro | % |
4 a 6 | – | 5.202 | 5,4 | |
7 a 10 | – | 13.352 | 13,9 | |
11 a 14 | – | 5.967 | 6,2 | |
15 a 17 | 1.445 | 0,1 | 2.195 | 2,3 |
18 a 22 | 105.788 | 10,9 | 17.354 | 18 |
23 a 29 | 239.012 | 24,7 | 18.120 | 18,8 |
30 a 39 | 3236.22 | 33,4 | 20.571 | 21,4 |
40 a 49 | 209.505 | 21,6 | 10.046 | 10,4 |
50 a 59 | 76.536 | 7,9 | 2.728 | 2,8 |
60 e mais | 11.984 | 1,2 | 70 | 0,1 |
Total | 967.892 | 100 | 96.219 | 100 |
Por faixa etária
2023 | ||||
Idade | Viagens como piloto | % | Viagens como passageiro | % |
4 a 6 | ‘ | 6.606 | 6,2 | |
7 a 10 | 3.074 | 2,9 | ||
11 a 14 | 8.643 | 8,2 | ||
15 a 17 | 6.756 | 6,4 | ||
18 a 22 | 86.387 | 7,7 | 13.938 | 13,2 |
23 a 29 | 227.723 | 20,2 | 22.642 | 21,4 |
30 a 39 | 366.303 | 32,5 | 16.450 | 15,5 |
40 a 49 | 305.119 | 27 | 18.430 | 17,4 |
50 a 59 | 113.716 | 10,1 | 7.419 | 7 |
60 e mais | 29.023 | 2,6 | 1.976 | 1,9 |
Total | 1.128.271 | 100 | 105.933 | 100 |
Grau de instrução
2017 | ||||
Viagens como condutor | % | Viagens como passageiro | % | |
Não alfabetizado / fundamental 1 incompleto | 20.668 | 2,1 | 20.849 | 21,7 |
Fundamental 1 completo / fundamental 2 incompleto | 77.360 | 8 | 10.635 | 11,1 |
Fundamental 2 completo / ensino médio incompleto | 140.420 | 14,5 | 14.824 | 15,4 |
Ensino médio completo / ensino superior incompleto | 554.296 | 57,3 | 45.825 | 47,6 |
Ensino superior completo | 175.147 | 18,1 | 4.086 | 4,2 |
Total | 967.892 | 100 | 96.219 | 100 |
2023 | ||||
Viagens como condutor | % | Viagens como passageiro | % | |
Não alfabetizado / fundamental 1 incompleto | 22.652 | 2 | 10.621 | 10 |
Fundamental 1 completo / fundamental 2 incompleto | 62.218 | 5,5 | 16.685 | 15,8 |
Fundamental 2 completo / ensino médio incompleto | 135.660 | 12 | 20.213 | 19,1 |
Ensino médio completo / ensino superior incompleto | 695.791 | 61,7 | 43.376 | 40,9 |
Ensino superior completo | 211.950 | 18,8 | 15.037 | 14,2 |
Total | 112.8271 | 100 | 105.933 | 100 |
Para ir ou voltar
2017 | ||||
Viagens como condutor | % | Viagens como passageiro | % | |
Trabalho | 789865 | 81,6 | 41.960 | 43,6 |
Escola / educação | 95.406 | 9,9 | 30.085 | 31,3 |
Compras | 9.112 | 0,9 | 2.674 | 2,8 |
Médico / dentista / saúde | 9.079 | 0,9 | 4.078 | 4,2 |
Recreação / visitas / lazer | 23.312 | 2,4 | 8.137 | 8,5 |
Assuntos pessoais | 41.117 | 4,2 | 9.285 | 9,7 |
Total | 967.892 | 100 | 96.219 | 100 |
2023 | ||||
Viagens como condutor | % | Viagens como passageiro | % | |
Trabalho | 966.709 | 85,7 | 61.466 | 58 |
Escola / educação | 72.145 | 6,4 | 21.016 | 19,8 |
Compras | 21.022 | 1,9 | 3.201 | 3 |
Médico / dentista / saúde | 7.483 | 0,7 | 3.242 | 3,1 |
Recreação / visitas / lazer | 14.583 | 1,3 | 5.137 | 4,8 |
Assuntos pessoais | 46.329 | 4,1 | 11.871 | 11,2 |
Total | 112.8271 | 100 | 105.933 | 100 |
Por atividade do usuário
2017 | ||||
Viagens como condutor | % | Viagens como passageiro | % | |
Tem trabalho regular | 859.154 | 88,8 | 47.498 | 49,4 |
Faz bico | 64.478 | 6,7 | 3.701 | 3,8 |
Aposentado / pensionista | 5.051 | 0,5 | 117 | 0,1 |
Sem trabalho | 27.630 | 2,9 | 8.370 | 8,7 |
Nunca trabalhou | 0 | 0 | 2.400 | 2,5 |
Dona de casa | 55 | 0 | 6.996 | 7,3 |
Estudante | 11.523 | 1,2 | 27.136 | 28,2 |
Total | 967.892 | 100 | 9.6219 | 100 |
2023 | ||||
Viagens como | % | Viagens como passageiro | % | |
Tem trabalho regular | 1.048.938 | 93 | 75.965 | 71,7 |
Faz bico | 3.9516 | 3,5 | 1.088 | 1 |
Aposentado / pensionista | 11.492 | 1 | 873 | 0,8 |
Sem trabalho | 20.917 | 1,9 | 3.626 | 3,4 |
Nunca trabalhou | 615 | 0,1 | 5.386 | 5,1 |
Dona de casa | 1.015 | 0,1 | 2.454 | 2,3 |
Estudante | 5.778 | 0,5 | 16.540 | 15,6 |
Total | 112.8271 | 100 | 105933 | 100 |
Fonte: Pesquisa OD 2017 e 2023