Sem os celulares, a escola poderá rapidamente se tornar um ambiente melhor. Para isso, no entanto, é preciso debater com os estudantes e com as famílias o processo do banimento dos smartphones. Não só para definir regras práticas, como o armazenamento dos aparelhos, mas para pensar o que será oferecido às crianças e aos jovens para ajudá-los a reconstruir a socialização.
A opinião é da pedagoga Cisele Ortiz, coordenadora-adjunta do Instituto Avisa Lá, que faz formação continuada de educadores.
Nesta entrevista à Folha, ela explica o que considera os problemas causados pelos smartphones no ambiente escolar e aponta caminhos para resolvê-los.
Que mudanças nos alunos foram percebidas pelos educadores ao longo dos últimos anos como consequência do uso dos smartphones nas escolas?
Em primeiro lugar, perceberam que os alunos passaram a apresentar uma distração enorme na aula. E as pesquisas realmente mostram que essa geração teve redução na capacidade de concentração, de memorização e na habilidade para a solução de problemas.
Depois, os educadores começaram a observar mudanças no recreio. O clima de bullying e provocação aumentou. As meninas, principalmente, passaram a viver um grau de cobrança e competição grande. O intervalo virou momento de tirar selfie.
As relações não estavam mais sendo estabelecidas entre eles, mas com o universo digital. Isso dilui o vínculo entre as crianças e os jovens, o que faz com que os conflitos e a tensão entre eles aumentem. Outro problema grave é que os alunos tiram fotos e filmam colegas e professores sem pedir autorização. Essas imagens viram memes, chacotas, que são compartilhados online, e isso gera violência.
Uma aluna de uma escola em que o celular foi banido no começo do ano passado comentou comigo que agora se sente muito mais tranquila porque sabe que não vai virar meme a qualquer momento.
Imagine a gravidade de não estar relaxado, de não poder se dedicar a situações prazerosas do cotidiano na escola em razão do risco de poder ser atacado sem saber… Várias situações nas escolas, mesmo brigas, que poderiam ser administradas naquele ambiente, acabam sendo veiculadas online, o que gera mais tensão.
As escolas e as famílias precisam agora conversar sobre todos esses motivos que levaram às restrições do uso do celular. É preciso criar uma estratégia, pensar sobre esse processo com os alunos e com as famílias, realizar debates e expor as evidências científicas sobre as consequências do uso excessivo do celular nas escolas.
Os alunos precisam entender, por exemplo, que o fato de poderem ser fotografados a qualquer momento na escola, mesmo quando não querem, gera ansiedade.
Logo que os smartphones chegaram às escolas, havia a ideia de que, se os professores dessem uma aula mais interessante, ganhariam do celular na disputa pela atenção dos alunos. Os professores ainda se sentem pressionados por isso?
Essa é ainda uma pressão, e a competição com o celular é terrível. Os celulares acabam bloqueando o desejo de aprender, e, sem isso, não tem aprendizado.
Uma aula mais interessante, mais efetiva, não precisa de celular, mas de engajamento dos estudantes, de espaço para que sejam ouvidos. O professor precisa saber fazer boas perguntas, criar um ambiente de conversa. Além disso, para um uso produtivo da tecnologia na aula, não temos que usar celular, mas contar com boa internet e com equipamentos como computadores e tablets.
Alguns professores temem que a pressão para o banimento do celular recaia sobre eles, que poderão ter de fiscalizar os alunos e retirar os aparelhos em caso de uso.
O professor não pode ser responsável por isso sozinho. As regulamentações das leis dos celulares nas escolas devem prever uma gestão para isso. As escolas têm que pensar com toda a comunidade como isso será feito, se o celular será retirado na entrada, na sala de aula, para quem o aparelho será entregue, como será guardado.
É preciso planejar esse período de adaptação, bem como formas de acompanhar e avaliar os benefícios de se retirar o celular.
Acredito que logo teremos uma melhora na relação entre as crianças e os jovens, no respeito deles com o professor e no interesse pelo aprendizado. Mas é preciso pensar sobre o tempo deles na escola, especialmente no caso do horário integral, em como oferecer alternativas para os estudantes nos intervalos, recreios e demais horários vagos.
RAIO-X | Cisele Ortiz, 69
Nascida na capital paulista, é psicóloga formada pela USP. Trabalhou como professora, coordenadora e diretora de escola por 12 anos. Foi coordenadora do programa Nossas Crianças, da Fundação Abrinq, e professora de pós-graduação do Instituto Singularidades, de formação de professores e gestores escolares. Desde 1996, atua como coordenadora-adjunta do Instituto Avisa Lá, coordenando programas de formação continuada de educadores.