‘Sem luz’ é dizer que o sentido de ‘aluno’ é esse – 12/02/2025 – Sérgio Rodrigues

A falsa etimologia é um sintoma —só falta descobrir de quê. De coisa boa não será, imagino, quando faz tanto sucesso entre profissionais de pedagogia a lenda de que a palavra “aluno” vem de “sem luz” e, portanto, deve ser banida do vocabulário dos bons educadores.

Está tudo errado com essa ideia, e afirmar isso não é expressar uma opinião. O latim “alumnus” deriva do verbo “alere” (alimentar). Queria dizer criança de peito e mais tarde ganhou por metáfora o sentido de educando, alguém a ser nutrido intelectual, moral ou espiritualmente.

Tirada de regiões recônditas da anatomia e desmentida por todos os dicionários etimológicos, a pós-verdade “a-luno = sem luz” tem um lado cômico e um preocupante.

Parece mesmo piada o tratamento da etimologia —saber rigoroso, cheio de história e histórias— como faça-você-mesmo, tela em branco para invencionices. Dá para ver alguma graça nisso.

No entanto, é tudo preocupante porque, politicamente motivado, o sucesso da mentira desmoraliza uma boa ideia —a de que alunos não são mesmo vasos vazios que os mestres devam preencher, sendo a educação de qualidade um processo em que os dois lados ensinam e aprendem.

E nesse momento o preocupante volta a ficar muito engraçado: quando é um professor que acredita em tal erro e o passa adiante com tanto desprezo aos fatos, a mensagem alardeada pela lenda, a de que o mestre também precisa aprender, comprova seu acerto —só que pelas razões erradas.

Etimologias falsas sempre existiram, mas vivem um momento de glória no faroeste informacional das redes sociais. Seu apelo vem, na maior parte das vezes, de algum elemento pitoresco. Prosperam em solo adubado por ignorância, falta de curiosidade e propensão ao pensamento de manada.

Não, a palavra coitado não tem nada a ver com coito: é o particípio de um antigo verbo caído em desuso, “coitar”, do latim “coctare”, que significava afligir, atormentar. Coito deriva de outro verbo latino, “coire”, ir com.

Não há a menor migalha de dúvida entre etimologistas de que a relação entre as duas palavras é inexistente, mas como é divertido imaginar o coitado como alguém que —para ficar no eufemismo— se ferrou, não é? Boa sorte com o desmentido.

Falsas etimologias bem-sucedidas como essas são inúmeras, e corrigi-las, muito provavelmente, um exercício vão. Não, forró não veio de “for all”. Cadáver não é um acrônimo de “carne dada aos vermes”. Cuspido e escarrado não é uma forma corrompida de “esculpido em Carrara” ou de “esculpido e encarnado”.

A verdade é que, nessa praia, adianta pouco argumentar com fatos. Devemos relaxar então? Não creio. O problema maior da falsa etimologia, que o caso do “aluno sem luz” ilustra como poucos, é a esculhambação geral do conhecimento que está em sua base.

Seria talvez de pouca consequência se a potoca sobre a origem de aluno fosse adotada como verdade juramentada por, digamos, garçons, economistas, artistas de circo, tenentes do Exército.

Quando educadores o fazem, atinge-se no mundo da pós-verdade um índice de avacalhação tão alto que deveria disparar alarmes. Daqueles bem escandalosos.


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