Guarda compartilhada orienta 34,5% das separações – 15/02/2025 – Cotidiano

Em 2000, a guarda compartilhada representava 2,7% do regime de cuidado de filhos no Brasil, taxa que subiu para 5,5% em 2010, de acordo com as Estatísticas do Registro Civil. Em 2021, segundo o IBGE, o regime já era o caso para 34,5% das separações.

Foi só em dezembro de 2014, com a criação da Lei da Guarda Compartilhada, que isso se tornou o padrão. Até então, a guarda unilateral prevalecia. A lei estabelece que o tempo deve ser dividido de forma “equilibrada” e que a cidade base de moradia dos filhos deve ter o melhor interesse deles em vista.

Dez anos depois de sua implementação, a guarda compartilhada ainda enfrenta desafios, segundo advogados especializados no tema.

Antes da lei, a guarda ficava com a mãe e o filho passava finais de semana alternados com o pai. Também era previsto o pagamento de uma pensão. Hoje, tempo e responsabilidades devem ser divididos, embora os depósitos mensais continuem.

Para Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, é um sistema que ainda não está verdadeiramente implementado no Brasil.

Ele diz que prevalece a ideia de que os pais visitam os filhos, uma visão da qual discorda. “Educação da criança não se faz só no final de semana. É no cotidiano, na rotina”.

A proposta de divisão de cuidados não é um mar de rosas. Segundo Ana Lucia Dias, advogada especializada em direito familiar e dona do perfil de Instagram @odireitodamae, existe uma confusão entre guarda compartilhada e guarda alternada —regime em que o tempo dos filhos são divididos de forma mais igualitária entre os pais.

“Começam a surgir problemas para mulheres, como homens que se recusaram a pagar a pensão.”

Ela conta que o aumento da guarda compartilhada não se reflete em homens que de fato compartilham o cuidado, como ficar de olho em vacinas, levar ao médico, cuidar da higiene, acompanhar o desenvolvimento escolar. “Existem guardas compartilhadas que o homem exige que a mulher faça uma agenda de tudo que o filho faz”, diz.

Desde 2023, a lei foi alterada para garantir que, em casos de violência doméstica, a guarda pudesse ser unilateral. “Nesse caso é difícil falar em guarda compartilhada e divisão de tempo porque as partes vão ter que conversar. Muitas vezes esse desejo de estar mais perto dos filhos se transforma em violência”, diz Dias.

Os profissionais afirmam que a guarda compartilhada costuma ser fruto de acordo. Isso não significa que advogados não estejam envolvidos, mesmo nos casos amigáveis. Foi o que aconteceu com Alyne Cardoso, mãe de Bento, 8. Ao se separar do pai do menino, há seis anos, eles decidiram tentar uma guarda alternada e pediram a uma advogada para desenhar um acordo.

Bento sempre ficou metade do tempo com Alyne e metade com o pai, mas a forma como a divisão era feita mudou muito em relação ao primeiro acordo. No começo, ficavam com saudade do filho quando ele estava com o outro pai e estabeleceram que cada um ficaria 24h com ele.

O esquema se mostrou insustentável e fonte de ansiedade para o pequeno. “Ele não terminava de ver um filme, montar um quebra-cabeça”, conta ela. Um ano depois, o intervalo do revezamento passou para 48h. Assim, seguiram por dois anos. Alyne casou de novo e engravidou, mudança que também teve impacto em Bento.

“A psicóloga recomendou espaçar o tempo sem avisar ele”, diz. Aos poucos, chegaram no modelo atual, em que o menino passa uma semana com cada um dos pais.

Uma conjunção de fatores torna isso possível: além de morarem perto, ela e o pai de Bento mantiveram uma convivência amigável organizada em torno da criação dele. É uma amizade com limites e restrita ao filho. Eles estão juntos em aniversários, momentos da terapia, reuniões de escola e apresentações. “A gente não marca um café da manhã aleatório só nós dois e ele”, diz Alyne, “mas quando existe um compromisso os dois estão lá”.

Falar da vida cotidiana também faz parte da dinâmica. No começo era mais delicado, mas, hoje, falam abertamente, o que permite mais flexibilidade ao acordo dos dois para que Bento esteja presente em eventos dos dois lados da família —e até possa furar uma noite da semana com um dos pais por vontade de estar com o outro.

“Ele não tem preferência pela mãe ou pelo pai, ele vê os dois como cuidadores”, diz Alyne.

Já a menina Julia (nome fictício), filha de 6 anos de Lucas (nome fictício), vive uma realidade diferente de Bento. Ela vê o pai quinzenalmente, aos finais de semana, e mora com a mãe e a avó materna. Seus pais nunca moraram juntos.

Lucas conta que propôs que ele fosse o cuidador primário logo que Julia desmamou, mas a mãe dela recusou a ideia. Neste ano, o pai espera rever o acordo de guarda e implementar o tempo alternado de uma semana com cada um dos pais.

O advogado Rodrigo da Cunha Pereira vê esse modelo como ideal. Revisões de estudos sobre esse tipo de acordo custodial embasam a opinião —filhos criados sob guarda alternada se mostraram mais confiantes do que os criados sob a custodia principal de um dos pais. No Brasil, diz Pereira, o Judiciário ainda oferece resistência ao modelo.

“É preconceito. Puro preconceito. Eles acham que a criança precisa estabelecer uma rotina. Claro que precisa, mas a rotina será essa e as crianças se adaptam facilmente a ela”, afirma.

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