Roubos de Ozempic aumentaram em SP em 2024 – 16/02/2025 – Cotidiano

Por volta das 22h30 de uma sexta-feira no final de janeiro, David Fernando, um farmacêutico, estava trabalhando atrás do balcão de uma farmácia em São Paulo quando um homem se aproximou e mostrou uma arma. “Ele pediu dinheiro do caixa e medicamentos da geladeira”, disse Fernando.

Hoje em dia, os farmacêuticos em São Paulo sabem exatamente o que os ladrões querem dizer quando pedem “medicamentos da geladeira”.

Eles estão atrás de Ozempic, Wegovy e Saxenda, os medicamentos injetáveis para perda de peso que muitos brasileiros desejam, mas que a maioria não pode pagar, em um país obcecado com a imagem corporal, mas onde a obesidade está em ascensão.

O ladrão fugiu com cinco caixas, cada uma, normalmente, com remédio suficiente para um mês e custando de R$ 700 a R$ 1.100.

Embora o assalto à mão armada tenha deixado Fernando, 36, nervoso, não foi exatamente uma surpresa. A mesma farmácia foi assaltada pelos mesmos medicamentos duas vezes no final de 2024, disse ele. Agora, um segurança fica do lado de fora do estabelecimento.

Distante alguns quarteirões, outra farmácia tomou precauções ainda maiores depois que um policial interrompeu um roubo de Ozempic, resultando em um tiroteio que deixou uma mulher idosa ferida. Dois seguranças armados agora fazem a vigia, um dentro da porta da frente e o outro perto de um depósito onde os medicamentos refrigerados para perda de peso são mantidos.

Enquanto o noticiário mostra que ladrões estão atrás de Ozempic em outras partes do mundo —com invasões noturnas em farmácias em Michigan e em Santiago de Compostela, na Espanha— o Brasil se tornou centro de atenção global para criminosos cobiçando os populares medicamentos para perda de peso.

São Paulo, em particular, tem algum destaque, considerando que, por algumas medidas, é a cidade mais rica do Brasil, com muitos bairros abastados onde diversas farmácias estocam os medicamentos, já que há pessoas suficientes que podem comprá-los.

Enquanto, atualmente, os criminosos têm pouca dificuldade em encontrar compradores em grupos de WhatsApp e Facebook.

O direcionamento de ações criminosas a farmácias deixou os trabalhadores temerosos e levou algumas lojas a reduzir o estoque de medicamentos para perda de peso. Os roubos são “definitivamente uma tendência crescente”, disse Pedro Ivo Corrêa dos Santos, chefe de polícia do Departamento de Investigação Criminal do Estado de São Paulo.

As farmácias são, frequentemente, alvos fáceis, acrescentou o chefe de polícia. “Muitas operam 24 horas por dia, armazenando o produto em uma geladeira sem segurança real, apenas protegida pelo farmacêutico”, disse ele.

Uma análise do New York Times de um banco de dados do estado de São Paulo descobriu que os roubos de farmácias em que Ozempic, Wegovy ou Saxenda foram levados aumentaram notavelmente nos últimos três anos, de um único episódio registrado em 2022 —quatro caixas de Ozempic levadas de uma única farmácia— para 18 roubos em 2023 e 39 no ano passado.

Os números são quase certamente subestimados, já que cerca de metade dos roubos relatados não especificaram os medicamentos levados.

RD Saúde e Grupo DPS, duas empresas que possuem redes de farmácias em São Paulo onde muitos dos roubos ocorreram, se recusaram a comentar. Muitas farmácias independentes dizem que não mantêm mais os medicamentos na loja.

“Quem estoca Ozempic não consegue trabalhar em paz”, disse Wilson Martins, gerente da Farma O Imperador, uma farmácia independente na zona oeste de São Paulo. “As pessoas perguntam: ‘Você tem Ozempic?'”, acrescentou. “Não, não temos. E assim, não somos roubados.”

Os clientes que querem um dos medicamentos para perda de peso agora devem fazer uma encomenda pessoalmente e marcar um horário para buscá-lo. Mas, por precaução, Martins, 72, mantém um facão com bainha de couro atrás do balcão.

Alguns grupos criminosos têm roubado caminhões fazendo entregas de Ozempic no atacado, disse Corrêa dos Santos. Uma gangue que a polícia desmantelou no ano passado incluía funcionários de uma empresa de transporte.

Os produtores e distribuidores de medicamentos devem relatar perdas de medicamentos resultantes de crimes ou outras razões à Anvisa, a agência brasileira que regula alimentos e medicamentos. Os números mostram que 4.770 canetas de injeção de Ozempic foram roubadas ou perdidas em 2023, valor que subiu para 8.220 canetas no ano passado.

A onda de roubos de medicamentos para perda de peso ocorre em meio a vendas crescentes do medicamento em um país onde alcançar um corpo bem definido é reverenciado e que, como muitas nações, está engordando.

Nas grandes cidades brasileiras, a porcentagem de adultos considerados obesos aumentou de quase 12% em 2006 para cerca de 24% em 2023, de acordo com um estudo do Ministério da Saúde.

No Brasil, as vendas de Ozempic cresceram de US$ 27,5 milhões em 2019 para US$ 621,6 milhões em 2023, o último ano para o qual há números completos disponíveis, de acordo com a IQVIA, um fornecedor global de dados de saúde. (O mercado brasileiro ainda é pequeno em comparação com os Estados Unidos, onde as vendas totalizaram US$ 30,3 bilhões em 2023.)

Rodrigo Lima, que trabalhou em redes de farmácias por duas décadas e agora é chefe de operações da Ultrafarma, uma rede com sede em São Paulo, disse que outros produtos de alto custo de farmácia já foram alvo no passado.

Embora seja relativamente fácil vender e comprar medicamentos para perda de peso roubados na internet, os criminosos podem não conseguir garantir aos compradores a qualidade dos medicamentos uma vez que são retirados do armazenamento refrigerado. Vários farmacêuticos em São Paulo enfatizaram repetidamente que apenas algumas horas à temperatura ambiente tornam os medicamentos inúteis.

“Eles levam os medicamentos para o carro em um saco de lixo”, disse Andrea Lima, gerente de uma filial da Drogaria São Paulo onde um policial frustrou uma tentativa de roubo em maio passado. “Quanto tempo eles deixam no porta-malas?”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *