“Não tenho condição de comprar comida todos os dias. A carne está cara, a galinha também”, diz o pescador Antônio Magave, 65, da comunidade de Cupixi, em Porto Grande (AP). Ele é um dos cerca de 4.000 moradores afetados pela contaminação de rios com rejeitos de garimpo ilegal após o rompimento de uma barragem no Amapá no último dia 11.
Magave conta que sua família mantém o consumo de peixes, apesar da recomendação do governo estadual de suspender a pesca na comunidade e do reconhecimento de situação de emergência pela Secretaria Nacional de Defesa Civil. Para ele, diz, é uma questão de necessidade.
“A gente tem que consumir do rio, não tem peixinho morto nenhum, então eu vou pegar e vou comer. Eu só não posso vender”, ressaltou. “Não dá ficar comprando comida.”
O Governo do Amapá realizou coletas de amostras nos rios Cupixi e Araguari, entre os municípios de Pedra Branca do Amapari e Porto Grande, para determinar a poluição deixada após o rompimento da barragem. A demora na divulgação dos resultados da análise da água, porém, colabora para a descrença de parte dos ribeirinhos em relação a riscos.
Procurada pela reportagem, a gestão de Clécio Luís (Solidariedade) não se manifestou.
José Raimundo Rigor, 52, extrativista de açaí e castanha em Cupixi, relata que aguarda os resultados para voltar a consumir peixe, principal alimento da comunidade. Ele teme a insegurança alimentar, como também a contaminação de sua família —cinco filhos, uma delas grávida de cinco meses, além de quatro netos.
“Eu espero que isso acabe logo e que tenha um resultado”, diz. “A gente tem esse costume de pegar o peixe para comer, é uma tradição nossa da comunidade. Todo dia sai a turma, que se encontra no rio, para pescar.”
A Seas (Secretaria de Estado de Assistência Social) entregou no sábado (15) cerca de 28 toneladas de alimentos e 20 mil litros de água mineral para as comunidades do Cupixi, Igarapé Água Preta e São Domingos, as mais atingidas pelo incidente, que concentram populações indígenas e ribeirinhas.
A Secretaria Nacional de Defesa Civil reconheceu a situação de emergência em quatro municípios: Pedra Branca do Amapari, Porto Grande, Ferreira Gomes e Cutias do Araguari. Com a portaria, as prefeituras podem solicitar recursos do governo federal para ações de enfrentamento.
Rompimento da barragem
Segundo o governo estadual, houve uma implosão de terra em uma área de difícil acesso, onde funcionava o garimpo ilegal. O local fica dentro da antiga Renca (Reserva Nacional de Cobre e seus Associados), extinta pelo governo federal em 2017. As fortes chuvas na região teriam provocado a pressão que resultou no colapso da barragem no dia 11.
O governo afirma que mobilizou uma força-tarefa para investigar as consequências ambientais e evitar o desabastecimento de água nos municípios afetados, por meio da captação em área sem influência da pluma de contaminação.
A Sema (Secretaria de Estado de Meio Ambiente) coletou amostras da água dos rios afetados, com sondas para medição de parâmetros ambientais, para análises físico-químicas e de metais pesados. O objetivo é identificar uma possível presença de mercúrio e outros elementos tóxicos. Os resultados até agora não foram divulgados.
A Polícia Civil busca descobrir os responsáveis pelo garimpo clandestino e apura, junto à força-tarefa, o dano ambiental. Pessoas encontradas em um acampamento montado no local foram ouvidas. Os detalhes não foram divulgados para não prejudicar as investigações.
O MPF (Ministério Público Federal) instaurou um inquérito civil para investigar o rompimento da barragem. Também emitiu ofício à Superintendência da Polícia Federal no Amapá requerendo que seja aberto um inquérito policial, a ser concluído em, no máximo, 90 dias.
Falta de fiscalização
A Amig (Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil), em nota, afirma que o caso no Amapá “escancarou mais uma vez as consequências da falta de fiscalização no setor mineral brasileiro”.
Para a entidade, é necessária a reestruturação da ANM (Agência Nacional de Mineração), responsável por fiscalizar o setor. Segundo a Amig, a agência deveria contar com mais de 2.000 servidores, mas opera com apenas 644 —um déficit de quase 69%.
Ainda na visão da associação, a falta de fiscalização tem permitido o avanço desenfreado do garimpo ilegal no Amapá. Como exemplo, a Amig cita a atuação criminosa na cidade de Calçoene, que teve um aumento de 174% entre 2020 e 2023.
“No Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque [o maior do Brasil], a extração ilegal cresceu 304% em apenas um ano, destruindo uma área equivalente a mais de 170 campos de futebol”, diz o comunicado.
Além da falta de estrutura, a Amig vê com preocupação a nomeação de José Fernando de Mendonça Gomes Junior, ex-executivo da mineradora Vale S.A., para a diretoria da ANM. A associação defende que as indicações para o cargo sigam critérios técnicos rigorosos, priorizando profissionais com experiência na gestão pública e na fiscalização do setor mineral, sem vínculos com empresas privadas.
A ANM disse à Folha que não vai se pronunciar sobre o assunto.