Brasil erra ao barrar taxa de CO2 de navio, diz Tuvalu – 19/02/2025 – Ambiente

Durante a conferência do clima das Nações Unidas de 2021, a COP26, realizada na Escócia, Simon Kofe chamou a atenção de todo o mundo ao discursar de terno e gravata em um vídeo gravado dentro do mar, com a água batendo em seu joelho.

A ideia era mostrar os efeitos que as mudanças climáticas tinham para seu pequeno país do oceano Pacífico, Tuvalu, um dos mais ameaçados pelo aumento do nível do mar.

À época, Kofe era ministro da Justiça, Relações Exteriores e Comunicação da ilha, mas hoje trocou os dois primeiros por Transporte, Energia e Inovação. Por isso, é o responsável por liderar o posicionamento de Tuvalu nas discussões da IMO (Organização Marítima Internacional) sobre como serão feitas as taxações sobre os gases de efeito estufa liberados pelos navios.

Diplomatas dos 176 países-membros da IMO tentam encerrar um embate entre o Brasil e países da União Europeia. Os europeus querem que a taxação ocorra sobre todas as emissões, enquanto o Brasil defende que a cobrança seja feita apenas sobre aquelas que ultrapassarem uma meta pré-estipulada. Nesta semana, representantes dos governos estão em Londres em busca de um consenso.

Do lado dos europeus, estão os pequenos Estados insulares em desenvolvimento, vulneráveis às mudanças climáticas. Já com os brasileiros estão os países em desenvolvimento, principalmente do Brics, que alegam que a taxação universal traria custos para a sua economia —no caso do Brasil, nas exportações de soja, petróleo e minério de ferro, os maiores agregados do PIB.

Em entrevista à Folha, Kofe, que publicou recentemente um artigo sobre o tema, diz que a posição do Brasil é incoerente à medida que o país tenta se posicionar como liderança climática.

Em artigo recente, o senhor afirma que o Brasil deve garantir o sucesso da COP30 ajudando a criar uma taxa sobre os gases emitidos por navios. Acha que a atual posição do Brasil é contraditória em relação à liderança ambiental que o país almeja ter?

O Brasil há muito tempo é reconhecido como líder nas negociações ambientais globais e, como anfitrião da COP30 [conferência do clima que será realizada em Belém em novembro], tem a oportunidade de moldar o futuro da ação climática. No entanto, opor-se a uma taxa universal sobre emissões marítimas enquanto defende políticas climáticas ambiciosas cria uma contradição que deve ser abordada.

A IMO engaja o transporte marítimo a fazer uma transição justa e equitativa, que não deixe os países em desenvolvimento para trás. E a proposta para uma taxa de US$ 150 por tonelada de CO2 garante que essa transição seja eficaz e justa, direcionando receitas para nações vulneráveis ao clima.

Em vez de rejeitar a taxa completamente, o Brasil deveria se envolver na formulação de seu modelo para garantir que apoie efetivamente as economias em desenvolvimento.

O senhor menciona que o Brasil deveria liderar o Sul Global nas negociações. Mas isso já não está sendo feito, ainda que para bloquear a taxa universal?

A liderança do Brasil no Sul Global é inegável, mas a verdadeira liderança não é sobre bloquear soluções —é sobre moldá-las. A proposta de taxa 6PAC+ [que se refere a todas as emissões] garante que as receitas da taxa serão direcionadas para apoiar a transição energética em nações em desenvolvimento, inclusive o Brasil, para abordar os impactos negativos em economias vulneráveis e para financiar adaptação climática, infraestrutura portuária e iniciativas de transporte marítimo verde.

Se o Brasil realmente busca liderar, deve trabalhar para projetar esses mecanismos em vez de se opor a eles. Ao alinhar-se com propostas do Brics corre o risco de atrasar ações significativas. O Brasil deveria defender um quadro de compartilhamento de receitas mais forte e justo que beneficie todo o Sul Global.

Por que o Brasil e outros países do Sul Global, como Índia e Indonésia, deveriam aceitar uma tributação universal se, de acordo com seus cálculos, essa taxa poderia levar a perdas econômicas significativas para eles?

As preocupações levantadas por Brasil, Índia e Indonésia sobre o impacto econômico potencial de uma taxa são compreensíveis. No entanto, a avaliação de impacto feita pela IMO confirma que uma taxa alta é a medida menos prejudicial economicamente a longo prazo.

Uma taxa baixa, entre US$ 18 e US$ 30 por tonelada de CO2 equivalente, não gera receita suficiente para apoiar a transição do Sul Global. Já uma taxa alta de US$ 150 a US$ 300 garante que as nações em desenvolvimento recebam apoio financeiro para descarbonização e adaptação climática.

Em vez de rejeitar completamente uma taxa, o Brasil deveria negociar um mecanismo de compartilhamento de receitas equitativo que proteja seus interesses econômicos enquanto garante a descarbonização.

O estudo apresentado pela delegação brasileira também indica que países europeus desenvolvidos seriam os únicos a se beneficiar dessa taxa universal. Isso não faz com que a defesa da taxa pela Europa tenha razões apenas econômicas?

Há um equívoco de que apenas países europeus se beneficiarão de uma taxa universal sobre emissões marítimas: a proposta é explicitamente projetada para direcionar fundos para nações em desenvolvimento.

Em vez de ver a taxa como uma iniciativa impulsionada pela Europa, o Brasil deveria trabalhar com a aliança para garantir uma governança justa dos fundos. Esta é uma luta por justiça, não por dominação econômica europeia.

Com base nas negociações atuais na IMO, quanto da taxa universal iria para países insulares? E por que esse montante é essencial para países como Tuvalu?

Uma parte significativa das receitas da taxa deve ser alocada para SIDS (sigla em inglês para “pequenos Estados insulares em desenvolvimento”) e países subdesenvolvidos. Embora a porcentagem exata ainda esteja em discussão, a estratégia da IMO reconhece explicitamente que a transição não deve deixar Estados vulneráveis para trás.

Para Tuvalu e outras nações insulares do Pacífico, esses fundos são uma questão de sobrevivência. Sem eles, não podemos financiar projetos de adaptação, construir infraestrutura resiliente ao clima ou garantir soluções de longo prazo para o aumento do nível do mar.

A delegação brasileira argumenta que o objetivo final dessa política não é gerar fundos, mas reduzir as emissões do setor marítimo. Focar a discussão na potencial receita gerada inverte a lógica da proposta?

O objetivo principal da taxa é reduzir as emissões, e ela faz isso desencorajando o uso de combustíveis fósseis e acelerando a transição para combustíveis de emissão zero. No entanto, a receita que ela gera não é uma contradição a esse objetivo; trata-se de uma ferramenta necessária para garantir uma transição justa e equitativa.

Sem apoio financeiro, Tuvalu, assim como outros SIDS, países subdesenvolvidos e nações em desenvolvimento, terão dificuldades para implementar as medidas de descarbonização que a taxa foi projetada para promover.

Qual seria uma solução de meio-termo para o conflito atual na IMO?

Um sistema de taxas escalonadas, onde as taxas são ajustadas com base nas circunstâncias econômicas de um país, poderia oferecer um meio-termo viável. Entretanto, o pior resultado é a inação contínua, pois cada atraso aumenta os custos para as economias mais vulneráveis.

Já tivemos um compromisso significativo, propondo US$ 150 por tonelada [de CO2], mesmo que avaliações científicas indiquem que US$ 300 seriam necessários para uma transição rápida e eficaz.

Quanto Tuvalu precisa arrecadar para evitar desaparecer do mapa, e de onde o senhor acha que esse dinheiro deveria vir?

Imagine que seu vizinho começou um incêndio, e ele saiu do controle, queimando sua casa. Você não vai bater na porta deles pedindo caridade; você vai exigir que eles assumam a responsabilidade por suas ações. Essa é a situação em que Tuvalu e outras nações na linha de frente estão hoje.

A crise climática não foi causada por pequenas nações insulares, mas estamos pagando o preço mais alto.

Isso não é sobre quanto dinheiro precisamos para sobreviver; é sobre se os maiores poluidores do mundo estão dispostos a serem responsabilizados e tomarem ações reais —reduzindo emissões, cumprindo seus compromissos de financiamento climático e apoiando a adaptação de uma forma que respeite nossa soberania.


RAIO-X | SIMON KOFE, 42

Atual ministro de Transporte, Energia, Comunicação e Inovação de Tuvalu, é mestre em direito pelo Instituto de Direito Marítimo Internacional da IMO. Uma das lideranças mais respeitadas das ilhas do oceano Pacífico, é também um ativista de políticas contra as mudanças climáticas.

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