O machado de Xangô poderá se voltar contra Lula em 2026 – 20/02/2025 – Cotidiano

No ano que antecede as eleições, o governo Lula verá seus desafios de diálogo com os religiosos se aprofundarem. Se o STF colocar um machado de Xangô ao lado do crucifixo, a reação cristã será imensa. Caso recuse o pedido feito pelo Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras (Idafro), abalará sua aliança com grupos minoritários que reivindicam proteção.

Em novembro do ano passado, o STF decidiu que a presença de símbolos religiosos do catolicismo não fere a laicidade, considerando-os manifestações histórico-culturais. Agora, o Idafro reivindica a possibilidade aberta pela decisão e solicita que um machado de Xangô seja inserido no Supremo.

Isso acontecerá a menos que o ministro Luís Roberto Barroso use critérios de análise diferentes e negue a contribuição histórica e cultural das religiões afro-brasileiras.

O pedido do Idafro já encontra respaldo na realidade dos tribunais brasileiros. Em 19 de dezembro último, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro recebeu e passou a deixar exposto, em seu prédio, um machado de Xangô. O evento contou com desembargadores, membros do CNJ e da Fundação Palmares, ligada ao Ministério da Cultura.

Quando ocorreu a decisão do STF, em novembro passado, argumentei nesta Folha que já era hora de as paredes das instituições públicas brasileiras serem esvaziadas de símbolos religiosos.

O STF decidiu manter os crucifixos, e a postura dos ministros ecoa a dificuldade do governo Lula em navegar no campo religioso. Ela oscila entre acenos progressistas e o receio de desagradar a setores conservadores.

Dois dos votos para manter os crucifixos nos tribunais foram de ministros indicados por Lula recentemente para o STF. Mas, apesar de serem nomes novos, as justificativas que eles apresentaram parecem saídas da primeira metade do século 20, quando mais de 90% da população brasileira se declaravam católicos.

Esses dois ministros são católicos praticantes. Cristiano Zanin, por exemplo, argumentou que a presença jesuítica desde o episódio da chegada dos portugueses ao Brasil demonstra a relevância da Igreja Católica na “formação educacional e moral do povo que surgia”. Flávio Dino foi na mesma direção e justificou a manutenção do crucifixo pela “influência histórica do cristianismo e, em particular, da Igreja Católica” no país.

Está claro, pelos votos dos ministros, que o objetivo deles era julgar a manutenção ou não dos crucifixos. No entanto, no texto da decisão final, o STF menciona “símbolos religiosos” no plural. Agora, o Tribunal será e instado a se posicionar sobre quais são os símbolos religiosos realmente autorizados.

O STF enfrentará essa questão no pior momento de Lula na presidência. Segundo o Datafolha, mais de 40% da população desaprovam seu governo. Em todos os grupos da população, inclusive naqueles que garantiram sua eleição em 2022 —mulheres, pretos e pardos, e nordestinos—, a aprovação despencou.

Entre cristãos, o governo vai de mal a pior. Os católicos, que sempre aprovaram mais o governo Lula do que os evangélicos, estão menos otimistas. E os evangélicos pioraram sua avaliação sobre o governo. Lula não consegue alcançar a atenção dos eleitores cristãos.

E agora o STF, que optou pela referência aos jesuítas para deliberar sobre os símbolos religiosos do país do século 21, criou uma crise cuja solução ampliará os problemas do governo com os religiosos.

Resta saber quem sairá mais contrariado: os cristãos, vendo um machado de Xangô ao lado do crucifixo, ou os afro-religiosos, ouvindo dos ministros que sua fé não tem peso histórico e cultural. O que é certo é que Lula, que já teve dificuldades em 2022 para lidar com o eleitorado religioso, chegará a 2026 ainda pior.

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