Passaram-se dois anos desde que as IAs generativas chegaram ao grande público, e hoje é inegável que essa tecnologia já impacta o panorama do trabalho em múltiplos setores. O que surgiu como uma inovação disruptiva sem manual de uso é hoje uma indústria que alimenta produtos, cursos e profissionais-influenciadores que convergem para uma tese central: precisamos dominar essa nova forma de interagir com a informação, pois em breve não será mais possível (ou mesmo desejável) aprender, ensinar, pesquisar ou trabalhar sem algum tipo de colaboração com uma IA em alguma etapa.
A educação, é claro, não está imune a essa movimentação. Da experimentação curiosa de alguns educadores evoluímos para uma busca intensa por qualificação, uma vez que as IAs vêm sendo embarcadas não só em ferramentas para a gestão e para o ensino, mas também nas tecnologias e ambientes que utilizamos mais frequentemente para consumir ou criar conteúdo —em buscadores, ferramentas de texto e apresentações, email e até mesmo nos inseparáveis aplicativos de mensagens.
O que entendemos nos últimos dois anos, porém, é que falar em “IA na educação” envolve três esferas distintas: a da governança, a da pedagogia e a do letramento. Para que o uso dessa tecnologia nos espaços educativos se dê de forma ética, transparente e equitativa, e também para que possamos formar cidadãos e cidadãs da “geração IA”, temos que garantir que todas as três esferas recebam a devida atenção.
A governança da IA na educação diz respeito às diretrizes para o desenvolvimento ético e a utilização segura dessas tecnologias nesse segmento, já estabelecidas por órgãos internacionais ou governamentais; mas também a diretrizes que precisam ser criadas na própria instituição de ensino. Gestores terão que definir as políticas da escola que governam a escolha de ferramentas ou plataformas, buscando equidade no acesso e na capacitação, transparência e segurança quanto à coleta e uso de dados, e qualidade e confiabilidade dos resultados gerados pelas IAs utilizadas; também deverão criar normas de utilização pelos docentes e pelos alunos.
Na esfera da pedagogia, ao invés de nos preocuparmos apenas com o plágio dos alunos, barrando o uso de IAs ou usando os imprecisos sistemas de detecção, é preciso integrar intencionalmente essas tecnologias a serviço de estratégias pedagógicas comprovadas, com o professor no comando do processo e as IAs apoiando a inclusão, auxiliando o desenvolvimento do pensamento crítico e estimulando a criatividade.
Já o letramento irá garantir que todos nós tenhamos conhecimentos sobre o funcionamento e os impactos dessas tecnologias, seja como estudantes e educadores utilizando IAs ou como cidadãos que acessam ambientes de informação e serviços públicos. Práticas de educação midiática incentivam a observação crítica de efeitos intencionais e não intencionais das tecnologias, e ensinam a avaliar privacidade, confiabilidade, precisão, justiça, equidade e funcionamento ético.
Finalmente, antes de adotar IAs indiscriminadamente, é preciso ponderar se, dados nossos objetivos e contexto em cada caso específico, o uso da IA é a melhor escolha. Agora que já conhecemos a enorme pegada ambiental das IAs generativas, será que precisamos usá-las para criar uma imagem genérica que poderia facilmente ser encontrada em um banco de imagens? Conhecendo os riscos de padronização estética e de apagamento de culturas e saberes, utilizar uma imagem gerada por IA irá ampliar ou estreitar o nosso entendimento do outro? O uso excessivo pode se tornar uma muleta, ou atrapalhar o desenvolvimento do senso crítico e de algumas funções cognitivas, como já mostram alguns estudos?
O conhecimento sobre o funcionamento e impactos das IAs é o que nos permitirá observar o que perdemos e o que ganhamos com seu uso, avaliar quando teremos benefícios ao integrá-las, e utilizá-las sempre de forma a ampliar o nosso potencial, sem perder de vista a riqueza e a diversidade daquilo que é humano.