Ibon Areso: Renovar prédios históricos é bom para economia – 21/02/2025 – Cotidiano

Ibon Areso, 80, é personagem central da requalificação urbana de Bilbao, cidade espanhola que entrou em decadência após o declínio da atividade industrial ligada à mineração. Arquiteto e urbanista, Areso foi responsável por chefiar o plano de renovação municipal a partir dos anos 1990 que colocou a cidade basca na rota do turismo internacional com a construção do Museu Guggenheim às margens do rio Nervión. Em 2014, tornou-se prefeito, dando continuidade ao plano que conciliou reconstrução de áreas degradadas e preservação de edifícios históricos.

Convidado para apresentar sua experiência em seminário para empresários da construção civil promovido nesta quinta (20) pelo Sinduscon-SP (sindicato paulista do setor), Areso contou em entrevista à Folha como a modernização de edifícios antigos pode gerar empregos e revigorar a economia de uma cidade.

Por que Bilbao apostou na renovação de edifícios antigos como estratégia de requalificação urbana?

Mais do que a renovação dos edifícios antigos em Bilbao, o que houve foi uma transformação de uma cidade industrial que entrou em decadência, algo parecido com o caso de Detroit, que enfrentou uma crise profunda e ficou com muitas áreas de ruínas industriais.

Nós tínhamos um modelo econômico baseado quase exclusivamente na indústria pesada. E essa indústria passou por uma crise não apenas temporária, mas estrutural e definitiva. O processo que quero explicar no Brasil é como uma cidade pode fazer uma reflexão estratégica com o objetivo de impulsionar a economia.

No nosso caso, a principal preocupação era o enorme desemprego. O desafio foi pensar estrategicamente em como mudar toda a estrutura física da cidade para atrair novas atividades econômicas.

Por isso, tivemos que atuar em áreas de ruínas industriais. Embora alguns edifícios tenham sido preservados e reaproveitados, o processo foi, na maior parte, uma renovação completa de espaços industriais degradados, transformando-os em uma nova cidade, mais atraente e capaz de abrigar atividades do setor terciário.

No centro de Bilbao, onde os imóveis têm maior valor, o processo foi mais de preservação do que de reutilização. Ou seja, para evitar que os centros históricos fossem demolidos, foram implementadas medidas de proteção, impedindo que esses prédios fossem destruídos.

No entanto, a transformação de Bilbao aconteceu mais nos arredores do rio [Nervión], onde antes havia atividades industriais e portuárias. Essas áreas foram renovadas e integradas à nova cidade.

Qual o papel da integração dos setores público e privado na recuperação de áreas urbanas?

É fundamental a colaboração entre o setor público e o privado. Mas, mais difícil do que isso, é o alinhamento entre os diferentes níveis do setor público. No nosso caso, a administração municipal, o governo basco e o governo federal tinham que trabalhar juntos, apesar das disputas por competências. A transformação de uma cidade, quando é profunda, exige o envolvimento de todas as administrações.

Em São Paulo, a prefeitura oferece incentivos financeiros para a renovação de edifícios no centro da cidade. Essa é uma boa estratégia para revitalizar um centro histórico?

Se o objetivo for preservar esses edifícios e dar a eles uma nova função, sim. O que eu quero dizer com “dar valor funcional”? Se eu tenho um prédio antigo e faço uma reforma para reforçar a estrutura, a fachada, a cobertura, e atualizo a parte elétrica e os sistemas de saneamento para atender às normas atuais, acho que a ajuda financeira é muito necessária.

Mas, se for para demolir o prédio e construir um novo no lugar, então não. Isso não é preservação do centro histórico.

Os edifícios antigos podem estar funcionalmente obsoletos, mas é possível adaptá-los, modernizando banheiros, cozinhas e instalações elétricas, tornando-os adequados para os padrões atuais de moradia. Esse tipo de reforma deve ser incentivado.

O mercado da construção no Brasil está mais acostumado a construir do zero. Poucas empresas trabalham com renovação de edifícios. Como mudar essa mentalidade?

Convencer o mercado é muito difícil. Em Bilbao, também construímos muitos edifícios novos, pois esse é o modelo preferido dos construtores. É mais fácil construir do zero, pois permite incluir estacionamentos subterrâneos, algo que os prédios antigos geralmente não têm.

No entanto, essa abordagem deve ser aplicada apenas em áreas que passaram por conversão –por exemplo, onde antes havia indústrias e agora há bairros residenciais.

Se queremos preservar os centros históricos, precisamos apostar na reabilitação, e não na construção de novos edifícios. A reabilitação pode ser mais complexa e menos lucrativa para um investidor imobiliário, mas tem uma grande vantagem: gera muito emprego.

A renovação de edifícios envolve diversos profissionais, desde pedreiros até eletricistas e encanadores, o que estimula o mercado de trabalho.

O desenvolvimento de um mercado local de empresas especializadas em renovação de edifícios pode tornar os retrofits mais baratos do que a construção de novos prédios?

A construção do zero sempre será mais barata do que a renovação, que é quase um trabalho artesanal.

Porém, nem toda cidade deve ser demolida e reconstruída. Há edifícios de valor histórico e cultural que preservam a memória da cidade. Além disso, demolições podem levar ao deslocamento da população, desarraigando comunidades inteiras.

Há também um fator econômico: bairros preservados podem se tornar atrativos para o turismo, uma das maiores indústrias do presente e do futuro.

Quanto à questão ambiental, a renovação de edifícios é uma opção melhor em termos de sustentabilidade?

Um edifício novo sempre terá melhor isolamento térmico e eficiência energética. Mas, na Europa, em muitas cidades, as construções históricas passaram por adaptações, como a instalação de isolamento térmico externo, troca de janelas por modelos mais eficientes e aplicação de tecnologias sustentáveis, como painéis solares.

Ou seja, não é preciso demolir um prédio para torná-lo sustentável. Muitas adaptações podem ser feitas para melhorar a eficiência energética de edificações antigas.

Como a experiência da revitalização de Bilbao pode contribuir com São Paulo?

Suponho que São Paulo também tenha suas “zonas problema”. Em vez de investir apenas em grandes expansões urbanas, as administrações precisam focar na solução dessas áreas problemáticas, transformando-as em oportunidades.

Não estou falando dos bairros históricos, que devem ser preservados, mas sim de áreas degradadas que realmente precisam de renovação. Nessas áreas, os empreendedores podem construir novas moradias e transformar esses locais.

Além disso, quero falar sobre como a cultura é um elemento essencial para o desenvolvimento urbano. Muita gente acha que o museu [Guggenheim] caiu de paraquedas e transformou Bilbao, mas a mudança da cidade foi muito mais complexa e profunda.

Claro que o Guggenheim foi fundamental para colocar Bilbao no mapa mundial, mas a transformação da cidade foi baseada em um plano estratégico mais amplo. Um dos quatro pilares deste plano foi a cultura.

Acredito que, no futuro, não existirão cidades economicamente relevantes que não sejam também culturalmente importantes.

Quais são esses pilares da transformação urbana?

O primeiro pilar foi a acessibilidade da metrópole ao exterior e a mobilidade interna. Melhoramos a infraestrutura de transporte: porto, aeroporto, ferrovias, rodovias, bondes, além das comunicações inteligentes, como fibra óptica.

O segundo pilar, também físico, foi a recuperação ambiental e urbanística. Bilbao era uma cidade industrial degradada, com solos contaminados, um rio poluído e um ambiente sujo. Fizemos a descontaminação do solo, da água e do ar, além de revitalizar a cidade com mais parques, passeios e espaços públicos agradáveis. Bilbao era rica e gerava muito emprego, mas não era um lugar bonito para viver.

O terceiro pilar foi o investimento em capital humano e transformação tecnológica. Bilbao teve uma das maiores reservas de ferro da Europa, mas a mineração acabou. Hoje, as cidades mais ricas não são as que têm mais recursos naturais, mas as que têm uma população mais qualificada [para o trabalho].

Valores como conhecimento, criatividade e inovação são essenciais. O futuro é baseado no saber. Tivemos que fazer essa transição para uma economia mais tecnológica.

A nova indústria gera muita riqueza, mas menos empregos do que no passado. Antes, os estaleiros e fábricas empregavam milhares de trabalhadores. Agora, a indústria 4.0, com inteligência artificial e automação, exige menos mão de obra, mas é altamente rentável.

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