Moradores de favelas sofrem com calor no RJ – 22/02/2025 – Cotidiano

As semanas de calor extremo enfrentadas por parte dos brasileiros em fevereiro foram especialmente desafiadoras para moradores de favelas no Rio de Janeiro. Muitas comunidades passaram dias sem fornecimento regular de água e luz.

As concessionárias apontam como causas das interrupções o alto consumo durante o verão e as ligações clandestinas, os populares gatos.

No Vidigal, morro da zona sul carioca localizado de frente para o mar e com alto fluxo de turistas estrangeiros, o abastecimento de água foi regularizado na quinta-feira (20), quando funcionários da con concessionária Águas do Rio foram ao local realizar reparos.

A reportagem visitou o local na quinta e viu agentes em diferentes pontos.

Nas partes mais altas da comunidade, onde geralmente as habitações são mais precárias e o acesso mais difícil, a dificuldade nos reparos é maior.

Aline Santana de Sousa, 45, mora na área central do Vidigal com outras quatro pessoas e passou 13 dias sem água. Com marido, um filho de cinco anos com autismo, uma tia de 78 anos acamada e uma cuidadora em casa, a comerciante enfrentou obstáculos para lidar com a rotina.

Um dos obstáculos foram os mais de 45 degraus que Aline diz ter subido e descido incontáveis vezes para encher baldes de água. A torneira funcionava na loja da família, no primeiro pavimento do imóvel. Os baldes abastecidos eram levados por ela para dentro de casa, no terceiro andar.

“Cuido da minha tia a partir do fim da tarde e ao longo da noite. Durante o dia, cuido do meu filho, o coloco na creche e trabalho. O horário que tive para carregar os baldes de água era a madrugada.”

O filho de Aline ficou mais agitado com o calor, segundo ela, mas precisou ficar limitado aos cômodos da casa —não pôde brincar na laje por causa da sujeira no local.

As roupas de cama da tia de Aline ficaram acumuladas na varanda por 13 dias. Também houve dificuldade para lavar a sonda. Os banhos de toda a família foram reduzidos e a água de beber, racionada, era comprada no supermercado.

“O foco era carregar água e manter a saúde da minha tia, que precisa da água.”

O Vidigal possuía 11.375 habitantes e 4.896 domicílios no Censo de 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Moradores discordam do dado e afirmam haver ao menos o dobro de habitantes. A Rocinha, com seus 72 mil moradores, segundo o mesmo levantamento, também teve relatos de falta d’água.

Responsável pelo abastecimento em parte do Rio (124 bairros, entre eles Rocinha e Vidigal) desde a concessão de água e esgoto no estado, em 2021, a Águas do Rio afirmou que a onda de calor extremo impactou o sistema de distribuição. A água, segundo a empresa, “apresentou baixas pressões em diferentes pontos, com intermitências pontuais, devido ao alto consumo no período”.

A concessionária disse ainda que “segue monitorando a equalização das pressões no sistema e o restabelecimento do fornecimento”.

Em 2023, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro moveu uma ação civil pública contra o governo do estado e concessionárias pedindo acesso gratuito ao mínimo vital de água para pessoas que não possuem condição de pagar a conta —o mínimo seria ao menos 20 litros por pessoa por dia, segundo estudos usados para embasar a ação.

A ação foi apoiada pela Faferj (Federação das Favelas do Estado do Rio de Janeiro).

Em 2024, o Tribunal de Justiça do Rio entendeu que o pedido tem contornos de “política pública”, o que impossibilitaria “a criação de obrigação a partir de decisão judicial em serviço público privatizado”.

Já no morro de São Carlos, no Estácio de Sá, região central do Rio, o problema foi a falta de energia.

Na terça-feira (18), dia em que o Rio registrou temperatura recorde de 44°C, a mais alta desde 2014, Fabrícia Ramos Mendes, 39, diz que contava 72 horas sem energia.

Com três filhos, de 13, 9 e 4 anos, além do pai, de 80, a recepcionista dormiu com as portas e janela abertas, apesar do risco de invasão.

“Minha casa tem quatro cômodos e, no máximo, 40 metros quadrados. Somos cinco pessoas, três delas crianças, e um ar-condicionado. Já é difícil quando tem energia, sem luz ficou desumano. Minha vontade era dormir na rua”, diz Fabrícia.

Na Vila Aliança, em Bangu, o motorista de aplicativo Igor Ribeiro, 29, ficou dois dias sem energia e levou a família para dormir na casa de parentes fora da comunidade.

“Uma noite mal dormida por conta do calor atrapalha o trabalho da esposa e a escola dos filhos”, afirma.

Em nota, a Light atribuiu as interrupções de energia nas regiões citadas às ligações clandestinas na rede elétrica, os chamados gatos, e disse que “equipes técnicas estão atuando diariamente nas comunidades para reparar os danos”.

“Em áreas com altos índices de furto de energia, o aumento do consumo durante períodos de calor intenso agrava ainda mais a sobrecarga no sistema, resultando em interrupções no serviço”, disse a empresa.

A Light calcula que, nos primeiros 18 dias de fevereiro, foram demandados 391 megawatts a mais do que todo o mês de fevereiro de 2024. Segundo a empresa, se 391 mil clientes a mais passassem a consumir energia do sistema ao mesmo tempo. A Light atende cerca de dez milhões de moradores do estado.

“Apesar da robustez da rede elétrica da Light, o calor extremo tem intensificado a demanda de carga de consumo dos clientes.”

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