O Greenpeace entrou em julgamento nesta segunda-feira (24), perante um júri da Dakota do Norte, em um processo bombástico que, se bem-sucedido, pode levar à falência do grupo ambientalista renomado.
A empresa Energy Transfer, com sede em Dallas, processou o Greenpeace em 2017, acusando-o de orquestrar protestos contra a construção do oleoduto Dakota Access Pipeline perto da Reserva Sioux de Standing Rock há quase uma década.
Os ativistas afirmam que o processo é uma tática velada para suprimir a liberdade de expressão e estabelecer um precedente preocupante para grupos de protesto, e que o Greenpeace teve apenas um papel de apoio nas manifestações lideradas por nativos americanos.
“Este julgamento é um teste crítico para o futuro da Primeira Emenda, tanto para a liberdade de expressão quanto para o protesto pacífico sob a administração Trump e além”, disse Sushma Raman, diretora interina do Greenpeace, em declarações públicas na quinta-feira (20).
A Energy Transfer recusou-se a comentar o caso antes do julgamento. Em uma declaração em agosto, afirmou que o processo contra o Greenpeace “não é sobre liberdade de expressão, como estão tentando alegar”. “Trata-se de eles não seguirem a lei”, afirmou.
O Greenpeace USA disse que os danos buscados chegariam a US$ 300 milhões (mais de R$ 1,7 bilhões), um valor que é mais de dez vezes o orçamento anual do grupo. Duas entidades associadas também são nomeadas como rés: o Greenpeace Fund, com sede em Washington e que concede subsídios a outros grupos, e o Greenpeace International, com sede na Holanda.
O julgamento está programado para durar cinco semanas no tribunal estadual em Mandan, na Dakota do Norte. Muitos observadores são céticos quanto à capacidade do Greenpeace, um dos grupos de ativismo ambiental mais conhecidos do mundo, de conquistar um júri na conservadora Dakota do Norte.
O secretário do interior do presidente Donald Trump, Doug Burgum, foi governador do estado até o ano passado. Kelcy Warren, fundador e presidente executivo da Energy Transfer LP, é apoiador do presidente e um grande doador.
O oleoduto Dakota Access foi aprovado em 2016, gerando protestos de nativos americanos, que afirmaram que ele invadiria terras sagradas e colocaria em risco o abastecimento de água. O oleoduto de 1.882 quilômetros transporta petróleo da Dakota do Norte para o Illinois.
Milhares de pessoas viajaram de todo o país para se juntar a um acampamento que durou meses perto da reserva, e líderes tribais processaram para interromper o oleoduto. Eles usaram o slogan “Água é Vida”.
A polícia e a segurança privada entraram em confronto com os manifestantes em várias ocasiões, e a Energy Transfer disse que equipamentos cruciais foram danificados e que suas perspectivas de financiamento foram prejudicadas.
Waniya Locke, ativista que vive em Standing Rock, disse que o movimento se desenvolveu organicamente e foi liderado por mulheres. “Nós ficamos nas margens do rio desarmados”, disse ela.
O acampamento foi desmantelado e o oleoduto está operando, embora as aprovações finais estejam pendentes.
O processo da Energy Transfer foi inicialmente movido contra um conjunto mais amplo de réus no tribunal federal em 2017, alegando violações da Lei de Organizações Influenciadas e Corruptas, ou RICO, estatuto projetado para combater o crime organizado. Foi rejeitado pelo juiz Billy Roy Wilson do Tribunal Distrital dos EUA para Dakota do Norte, que escreveu que as alegações estavam “muito aquém do necessário”.
Uma queixa semelhante foi então apresentada no tribunal estadual. A versão mais recente do processo acusa os réus de invasão, difamação, conspiração e interferência ilícita nos negócios. Afirma que o Greenpeace espalhou desinformação que incitou os protestos e prejudicou gravemente sua capacidade de conduzir seus negócios.
Deepa Padmanabha, advogada do Greenpeace, disse que o grupo apoiou os protestos e que esteve envolvido no treinamento de pessoas em ação direta não violenta, mas que não foi central nos esforços. Ela disse que as alegações envolvendo invasão, em particular, buscavam impor uma “responsabilidade coletiva de protesto”, na qual qualquer grupo poderia ser responsabilizado pelas ações de cada pessoa presente.
Ela ofereceu o exemplo de um manifestante não violento sendo responsabilizado pelas ações de “pessoas desconhecidas que, por exemplo, incendiaram equipamentos de construção”. Ela acrescentou que “é bastante fácil ver como, se bem-sucedida, esse tipo de tática poderia ter um efeito inibidor sério em qualquer pessoa que pudesse considerar participar de um protesto.”
O Greenpeace considera a ação um SLAPP, ou um Processo Estratégico Contra a Participação Pública, um termo que se refere a processos destinados a silenciar críticos ou a custar-lhes tempo e dinheiro na defesa de um caso. Alguns estados, embora não a Dakota do Norte, têm leis que facilitam a rejeição de processos considerados SLAPP. Na União Europeia, uma nova diretiva também oferece alguma proteção contra eles para grupos dentro de suas fronteiras.
Citando a diretiva da União Europeia e outras leis holandesas, o Greenpeace International este mês entrou com um contra-processo contra a Energy Transfer em Amsterdã, buscando recuperar custos incorridos durante o litígio.
Kristin Casper, conselheira geral do Greenpeace International, disse que a primeira audiência nesse processo será realizada em julho.