“É dia para esbanjar alegria, deixar de lado a tristeza e mergulhar na fantasia”, canta o samba-enredo do Bloco do Beco para 2025, que vai inflamar as ruas do Jardim São Luís, no extremo sul de São Paulo.
O bloco, fundado em 2002 por sambistas e moradores da região, surgiu como forma de manter viva a tradição do Carnaval de rua dentro da periferia e criar espaços de cultura no bairro.
Para foliões das periferias paulistas, o Carnaval que acontece longe do centro paulistano é mais que festa, é um ato de resistência.
“Eu sempre fico muito emocionada no Carnaval porque no início era só um sonho. E quando eu vejo essa galera desfilando, todo mundo feliz e rindo, eu penso ‘que bom que a gente não desistiu'”, afirma Carla Arailda , uma das precursoras do Bloco do Beco.
Em 2024, o cortejo foi seguido por 5.000 pessoas durante seu desfile pelas ruas do Jardim São Luís. Neste ano, o desfile oficial será no próximo sábado (1º), às 10h.
Atualmente, metade da bateria do bloco é formada por mulheres. Carla fala sobre o orgulho de ver tantas mulheres dividindo o protagonismo dentro do Carnaval, espaço tradicionalmente marcado pela presença masculina.
“Eu sempre lutei para ter mais mulheres, mas antigamente, com aquele monte de homem, era mais difícil. Mas esse ano será o Carnaval mais bonito do bloco, porque tem muita mulher.”
Uma das percussionistas da bateria é Susanne Gonçalves. Cria do bairro, frequenta o bloco há mais de 15 anos e sempre desfilou como foliona. Apesar de viver o Carnaval desde criança, 2025 será a primeira vez na bateria do bloco de coração, agora tocando o chocalho.
“Onde eu me encontro é na bateria, é um resgate das coisas boas da minha infância, é onde eu me realizo. É um sentimento de orgulho”, diz.
Entre os bloquinhos do distrito de M’ Boi Mirim, no extremo sul da capital, 51% dos foliões vão ao desfile caminhando e 60% ficam sabendo do desfile através da rede pessoal offline (como o boca a boca, indicação de amigos ou cartazes) e 76% moram no bairro.
Os dados são da pesquisa “Economia Criativa e Carnaval de Rua”, produzida em 2023 pela Secretaria de Cultura Criativa do Governo de São Paulo, em parceria com o Observatório Ibira 30. A iniciativa atua na coleta de dados sobre cultura, educação e assistência social.
Nos dias de desfile, o gasto médio de um folião gira em torno de R$ 103,76, somando transporte, hospedagem e gastos na festa.
O faturamento dos comerciantes locais dobra, um aumento de 206%, já as vendas dos ambulantes representam crescimento de 325%. Nos dias de festa, as ruas da periferia da zona sul recebem cerca de 30 mil pessoas, que movimentam R$ 3 milhões, apenas dentro do bairro.
Mesmo com os avanços na economia local durante o Carnaval, nem tudo é festa. Para o pesquisador Marcelo Coelho, especialista em inovação social e gestão de negócios, a periferia da cidade de São Paulo é menosprezada em relação aos investimentos recebidos em comparação aos blocos do centro, justamente por não serem considerados locais turísticos.
“Boa parte dos recursos do Carnaval é financiada com recurso para turismo. E o olhar que a cidade estende para o Carnaval, que é o olhar do turismo, não serve para a periferia.”
Apesar de São Paulo possuir o Carnaval mais rico do Brasil, em 2025 a prefeitura disponibilizou através de fomento cultural para os blocos de rua R$ 2,5 milhões para dividir entre 100 blocos da cidade e, destes, apenas dez desfilarão na periferia. Ao todo, 601 blocos estão confirmados na folia de rua deste ano.
Procurada, a gestão Ricardo Nunes (MDB) diz que está comprometida em “promover a diversidade cultural e garantir que todos, independentemente de sua localização, tenham oportunidades de acesso aos recursos de fomento”. A Secretaria Municipal de Cultura diz que o edital para fomento dos cem blocos recebeu 232 inscrições de 16 de dezembro a 6 de janeiro.
Segundo Marcelo Coelho, além de esbarrar na burocracia, os investimentos públicos feitos pelo município na periferia são insuficientes. “É um recurso que não financia as atividades de um bloco de Carnaval pequeno e muitas vezes o dinheiro só sai depois.”
Entre as iniciativas que lutam diariamente para continuar sua trajetória está o Unidos de Paraisópolis. Fundado em 2019, por Acácio Reis, faz sua festa de forma independente, contando apenas com a ajuda da comunidade para desfilar.
Os moradores doam água, auxiliam na confecção das camisetas dos participantes e ajudam até com fantasias.
“Meu sentimento é que a música despolariza, a gente se junta sem julgamento, se abraça e vai junto”, conta Acácio.
O cortejo atravessa Paraisópolis, a terceira maior favela do Brasil, com cerca de 80 integrantes, entre crianças, adolescentes e colaboradores do projeto.
Conforme caminha pelas ruas, vai ganhando novos participantes. “Ver o brilho nos olhos de todos que participaram, festejando no quintal de casa, é muito lindo”, conta Kamila Baes, moradora da favela.
O apoio da comunidade é essencial não apenas na questão financeira, mas também para romper barreiras culturais. Fundado em 2010, o bloco Afro É Di Santo mistura afro reggae, religião e cultura negra há 15 anos no extremo da zona sul.
“Ser um bloco afro na cidade de São Paulo é um baita desafio, porque essa identidade traz para o Carnaval a racialidade negra como protagonista, a valorização da cultura periférica e preta”, diz Andréia Tenório, cofundadora do bloco, que desfila na terça (3) com concentração da Casa de Cultura do M’Boi Mirim.
Para Nanci Frangiotti, mestre em geografia humana pela USP (Universidade de São Paulo), diferente de como é nas grandes agremiações, a comunidade que nasceu em torno dos blocos da periferia é essencial para manter o Carnaval local.
“São estas pessoas que mantêm vivas as agremiações”, resume.