Embora as Assembleias de Deus no Brasil sejam conhecidas entre os evangélicos pelo tradicionalismo e por seus cultos com ampla participação dos membros, uma delas tem chamado a atenção por um elemento inusitado: a presença de avatares gerados por inteligência artificial como parte da liturgia.
A Assembleia de Deus em São José dos Campos, liderada pelo pastor André Câmara, tem se destacado como pioneira no uso avançado da inteligência artificial no Brasil. Segundo o pastor, a iniciativa surgiu do desejo de acompanhar o entusiasmo em torno dessa inovação e demonstrar que a tecnologia pode ser utilizada a serviço da missão cristã.
Não me refiro apenas a pastores usarem ferramentas como o ChatGPT e o Gemini para estruturar ideias ou organizar os temas dos seus sermões —coisas que muitos já fazem. Ou mesmo aplicativos como o Bible.ia, que responde perguntas sobre a Bíblia. A igreja do pastor Câmara incorporou um aspecto hollywoodiano à rotina de sua comunidade de fé. Por exemplo, durante os cultos, avatares de personagens históricos, como Davi e Moisés, são projetados nas telas lendo textos da Bíblia.
O projeto também deu vida aos pioneiros da Assembleia de Deus no Brasil, os suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren, que fundaram a igreja no Pará há mais de cem anos. “Nós pegamos uma gravação de áudio que existe com a voz do Daniel Berg e, usando IA, criamos um roteiro de fala para ele. Quanto ao Vingren, usamos a voz do seu neto para reproduzir as falas”, relatou Câmara.
O pastor contou que, além de tornar a experiência religiosa mais imersiva, a inserção desse tipo de tecnologia nas atividades da congregação aumentou o interesse pelo conhecimento bíblico e instigou a curiosidade sobre a história da igreja. A resistência à inovação passa a segundo plano quando o membro vê a tecnologia recriar uma voz do passado.
Uma crítica frequente ao uso da tecnologia no culto é que a comunidade perde a espontaneidade da experiência religiosa. Isso é mais evidente na liturgia pentecostal, que valoriza a liberdade na expressão das emoções. Ferramentas tecnológicas quebram a vivência espiritual e o fluir do diálogo entre pregador e fiéis. Câmara, contudo, diz que a tecnologia apenas complementa a liturgia, sem interferir na adoração.
A igreja também desenvolveu uma assistente virtual inteligente. Ela foi batizada de “Léia: a assistente virtual da Bléia”. (“Bléia” é um apelido carinhoso para se referir à Assembleia de Deus). Ela responde perguntas sobre a igreja, a Bíblia e —o que mais me surpreendeu— aconselha as pessoas.
E a inteligência artificial dá conta disso? A inquietação vem do meu lado psicólogo, atento à subjetividade de cada situação e à importância de captar nuances como olhar, entonação, emoção e toda a comunicação não verbal presente em um aconselhamento.
Câmara explica que Léia é programada para responder a questões mais simples. Mas o que seriam questões mais simples?
Uma dúvida como “escolhi a profissão certa?” parece simples, mas pode esconder uma crise profunda de identidade. Por outro lado, a questão “como lido com meu luto?” parece um dilema complexo, mas, às vezes, é aliviado com uma palavra. A inteligência artificial distinguirá um questionamento passageiro de um clamor silencioso por ajuda?
Embora entusiasta do uso da tecnologia na religião, confesso ter resistência a uma assistente virtual para aconselhamento em minha igreja. Até onde ela pode ir sem ultrapassar o discernimento humano? E se reforçar pensamentos destrutivos, ou simplificar uma dor profunda? São perguntas que eu não consigo responder.