Racismo: Afeto também é luta e homem negro chora – 09/03/2025 – Cotidiano

Contrariando toda a dureza associada à masculinidade, dois homens negros foram vistos chorando na última semana. O primeiro, um menino de 12 anos. José William Ferreira de Paula foi filmado fazendo o passinho e sambando em meio a uma avalanche de lágrimas, enquanto desfilava com a Mangueira, no Rio de Janeiro.

“Sempre censurado pela burguesia, tomou a cidade de assalto. E hoje no asfalto a moda é ser cria. Quer imitar meu riscado, descolorir o cabelo, bater cabeça no meu terreiro”, dizia o samba-enredo ao fundo.

O segundo, um jovem de 18 anos. Luighi Hanri Sousa Santos, jogador do time de base do Palmeiras, chorou enquanto dava entrevista ao final da partida contra o Cerro Porteño.

“É sério isso? Vocês não vão perguntar sobre o ato de racismo que fizeram comigo? É sério? Até quando a gente vai passar isso? Até quando? Me fala: até quando a gente vai passar isso? O que fizeram comigo foi um crime, pô. Você não vai perguntar isso? Você vai perguntar sobre o jogo mesmo?’’, questionou em meio a um choro dolorido.

As lágrimas de Zé tomaram as redes e conquistaram empatia. Um menino negro tão pequeno, em lugar de destaque na escola de samba, comoveu o país. Poderia ser só pela fofura da coisa: um pequeno ser humano emocionado com a grandeza do Carnaval. Mas era um menino negro, conhecido como Zé Cria, cantando um manifesto sobre a herança da cultura banto no Rio com uma letra crua e forte.

A emoção de Zé certamente teve alegria –ele é bisneto de tio Jair, grande personalidade da Mangueira, estava lindo, se saindo bem, valorizado pela sua beleza e com seu cabelo platinado. Mas, em toda a sua capacidade de leitura de mundo e no auge da complexidade de seus 12 anos, também tinha dor.

Dados do Instituto Fogo Cruzado apontam que 26 crianças foram baleadas em 2024 no estado do Rio de Janeiro. De 2016 a 2021, foram 100 crianças atingidas por tiros na região metropolitana. Isso sem contar o bullying, a discriminação, o medo de não dar certo na vida, a insegurança toda vez que chove ou mais um tiroteio começa. Zé sabe de tudo isso.

Já o choro de doer a alma de Luighi não tinha alegria, mas tinha coragem, tinha orgulho. Ele chorou pela injustiça da qual foi alvo pelo simples fato de ter nascido negro. Mas sabia que isso não é certo –que não merecia– e, por isso, se posicionou. Ele tinha como exemplo Vini Júnior, apenas 6 anos mais velho, atual expoente no combate ao racismo no futebol.

Um levantamento do relatório anual do Observatório da Discriminação Racial no Futebol mostra que 136 casos de racismo foram registrados apenas no futebol brasileiro. Outro estudo, sobre Diversidade no Futebol Brasileiro, aponta que ao menos 41% dos jogadores negros que atuam nos principais campeonatos do país já sofreram racismo.

Jovem, retinto e craque, Vini Júnior não fugiu do papel imputado a ele pelo destino. Colocou-se como “algoz dos racistas” e mesmo assim se permitiu chorar. Como resultado, sua voz se multiplicou –escorreu em lágrimas. Contrariando toda a desumanização associada à negritude e a insensibilidade atribuída aos homens, o menino José, o jovem Luighi e Vini Jr. ensinam: afeto também é luta e homem negro chora.

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