As alegações finais do caso Mariana (MG) em Londres, nesta semana, coincidem com dois movimentos importantes no Brasil para a defesa da mineradora anglo-australiana BHP:
Vinte e seis dos 49 municípios elegíveis aderiram à repactuação, o acordo de R$ 170 bilhões patrocinado pelo governo federal; mais de 50 mil pessoas se cadastraram no PID (Programa Indenizatório Definitivo), que prevê R$ 35 mil sem discussão, apenas na semana de lançamento.
Os números surpreenderam o departamento jurídico da empresa, que não esperava tanta recepção por causa do Carnaval. Há um segundo programa, em curso há mais tempo, que indenizará pescadores e agricultores com um valor de R$ 95 mil. Cada assinatura no Brasil significaria, a grosso modo, um cliente a menos na ação que o escritório Pogust Goodhead move na justiça inglesa, mas a matemática depende de quem faz a conta.
Tom Goodhead, CEO do escritório, diz estar extraordinariamente confiante sobre o julgamento. “A BHP é uma poluidora e, segundo a lei brasileira, poluidores devem pagar”, afirmou à Folha.
O processo, que só deve ter sentença em meados deste ano, tenta estabelecer a responsabilidade da BHP pelo desastre em Mariana, a maior tragédia ambiental da história do país, que matou 19 pessoas e espalhou lama tóxica por quase 700 km de Minas Gerais até o oceano Atlântico em 2015. Se a tese for aceita, a partir de outubro do ano que vem a mesma corte começa a decidir quem poderá receber indenização e quanto. Estima-se que o volume de compensações poderia chegar a R$ 260 bilhões.
Na concepção da mineradora, a adesão aos programas nacionais enfraquece o argumento da acusação de que a ação no exterior era necessária para atender o máximo de afetados possíveis. A ação tem mais de 640 mil clientes e 31 prefeituras, que só terão direito à indenização, caso o processo eventualmente prossiga, se não tiverem celebrado nenhum acordo no Brasil.
Análise do Pogust, no entanto, mostra que 64% de seus requerentes não são elegíveis para a repactuação do governo nem para os programas organizados pela BHP. A questão é mais complexa no caso dos municípios, já que a administração pública não pode celebrar contratos de risco. O Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), que reúne as mineradoras do Brasil, obteve liminar no STF (Supremo Tribunal Federal) para vedar o acordo celebrado entre prefeitos e o Pogust —a disputa também foi levada para a apreciação da juíza na Inglaterra.
A BHP diz que não pode ser responsabilizada por ações de uma subsidiária, no caso a Samarco, uma joint-venture com a Vale, que tinha administração própria e independente. Na concepção da empresa, isso poderia criar insegurança jurídica. Afirma também que não houve negligência no manejo da barragem do Fundão e que os advogados do Pogust falharam em reunir evidências que apontassem o contrário. A interpretação da legislação ambiental brasileira feita pelo escritório seria excessivamente ampla, também.
A mineradora refuta também a tese de que a repactuação no Brasil só saiu depois que o caso começou a ser julgado na Inglaterra. Afirma que o acordo inicial de 2016 não tinha valores, pois o enquadramento dos problemas ainda estava sendo realizado, e que a mudança no governo federal a partir de 2023, de Jair Bolsonaro para Luiz Inácio Lula da Silva, alterou envolvidos, as interlocuções e os ritmos da negociação.