Os seres humanos estão vivendo em um mundo de plâncton. Esses organismos minúsculos estão espalhados pelos oceanos, cobrindo quase três quartos do planeta, e estão entre as formas de vida mais abundantes da Terra.
Mas o mundo em aquecimento colocam os plânctons em risco, ameaçando toda a cadeia alimentar marinha que é construída a partir deles.
Há um ano, a Nasa lançou um satélite que forneceu a visão mais detalhada até agora da diversidade e distribuição do fitoplâncton. Suas percepções devem ajudar os cientistas a entender as dinâmicas em mudança da vida no oceano.
“Você gosta de respirar? Você gosta de comer? Se sua resposta for sim, então você se importa com o fitoplâncton”, disse Jeremy Werdell, cientista líder do programa de satélites, chamado PACE (Plâncton, Aerossol, Nuvem, Ecossistema Oceânico).
Historicamente, a pesquisa feita a partir de navios capturou imagens limitadas, oferecendo apenas vislumbres dos oceanos em constante mudança. O surgimento de satélites deu uma visão mais completa, mas ainda limitada, como olhar através de óculos com um filtro verde.
“Você sabe que é um jardim, você sabe que é bonito, você sabe que são plantas, mas você não sabe quais plantas”, exemplificou Ivona Cetinic, oceanógrafa da Nasa. O satélite PACE remove efetivamente o filtro e finalmente revela todas as cores do jardim, disse ela. “É como ver todas as flores do oceano.”
Essas flores são o fitoplâncton, pequenas algas aquáticas e bactérias que realizam fotossíntese para viver diretamente da energia do sol. Eles são comidos pelo zooplâncton, os menores animais do oceano, que, por sua vez, alimentam peixes e criaturas maiores.
O fitoplâncton forma a base da cadeia alimentar marinha, e as mudanças climáticas estão abalando essa base.
O fitoplâncton no mar aberto parece estar diminuindo. No início dos anos 2000, os cientistas detectaram que enormes zonas oceânicas com menos nutrientes e fitoplâncton mais escasso, conhecidas como desertos oceânicos, estão se expandindo.
Ao mesmo tempo, as florações costeiras de fitoplâncton, especialmente em latitudes mais altas, cresceram e se tornaram mais frequentes, de acordo com um estudo de 2023. As temperaturas mais quentes da superfície do mar estão estimulando seu crescimento, afirmam os pesquisadores. Essas florações também estão ocorrendo mais cedo no ano, prejudicando a pesca costeira e os meios de subsistência das pessoas.
E, embora a vida marinha dependa do fitoplâncton, às vezes ele pode criar florações nocivas. Entender quais são os tipos de fitoplâncton pode ajudar os residentes costeiros a se protegerem.
Algumas florações de fitoplâncton crescem tanto e tão rapidamente que, quando se decompõem, esgotam o oxigênio na água circundante, criando “zonas mortas” onde nada mais pode viver. E alguns fitoplânctons produzem toxinas que podem adoecer e matar peixes, pássaros e mamíferos, incluindo humanos.
Os pesquisadores estimam, de forma conservadora, que as florações nocivas custam à economia dos EUA cerca de US$ 50 milhões por ano, relacionados a danos a saúde pública, pesca e recreação costeira.
No inverno de 2021, milhões de ostras na costa da Paróquia de Plaquemines, na Louisiana, morreram repentinamente, causando um grande prejuízo aos pescadores locais. A investigação revelou que fitoplâncton tóxico havia florescido após uma tempestade, de acordo com Bingqing Liu, oceanógrafa e professora-assistente na Universidade da Louisiana, em Lafayette.
Liu faz parte do grupo pioneiro do PACE, trabalhando na incorporação dos dados do satélite em um modelo que pode simular cenários futuros. Se as pessoas puderem notar as florações tóxicas chegando, podem tentar mitigar as perdas econômicas e ambientais, disse ela.
Aprofundamento
Enquanto os satélites ajudam alguns oceanógrafos a ampliar a visão para obter a melhor imagem possível, outros pesquisadores estão se aprofundando no tema com coletas de plâncton no oceano para estudo em microscópios.
Esses cientistas não estão apenas olhando para o jardim descrito por Cetinic, mas entrando nele, examinando tanto plantas quanto animais. E estão cavando, olhando sob a superfície onde os satélites não podem ver.
No Atlântico Norte no inverno, o jardim oceânico esconde um fenômeno curioso. Estendendo-se dos Estados Unidos e Canadá até a Europa, quadrilhões de criaturas minúsculas estão adormecidas, suspensas na zona crepuscular do oceano. Trata-se do Calanus finmarchicus, um tipo de zooplâncton que flutua nas correntes e marés do oceano.
No Atlântico Norte, o Calanus canaliza a energia do sol e do fitoplâncton para animais maiores como peixes, baleias e pássaros.
Você pode pensar no Calanus como “pequenas baterias que estão flutuando no oceano”, disse Jeffrey Runge, ecóloga especialista em zooplâncton que recentemente se aposentou como professor da Universidade do Maine.
Calanus hibernam durante o inverno, escondendo-se de predadores na fraca luz das águas mais profundas. Mas, em novembro, no Golfo do Maine —à medida que os dias encurtam, a temperatura cai e os ventos e ondas aumentam—, David Fields, ecólogo do Laboratório Bigelow para Ciências Oceânicas, foi caçar essas pequenas criaturas.
De volta ao laboratório, após o anoitecer, ele e outros cientistas observaram os Calanus finmarchicus capturados sob um microscópio. Os espécimes tinham grandes sacos de óleo, cheios de lipídios ricos em calorias que peixes e baleias-francas procuram.
Em estudos experimentais, Fields e seus colegas descobriram que, à medida que a temperatura aumenta, os Calanus ficam menores e têm menos gordura em relação ao tamanho do corpo.
Fields chama a camada de Calanus adormecidos de camada de gordura do oceano, um recurso valioso para outras formas de vida. “Essa é a razão pela qual o Golfo do Maine funciona da maneira que funciona, por causa dessa bela camada de gordura”, disse.
Um dos membros dessa viagem de caça ao plâncton de novembro no Maine era Amy Wyeth, ecóloga que está iniciando um novo programa de amostragem de plâncton e monitoramento de habitat para o Departamento de Recursos Marinhos do Maine.
O objetivo, segundo ela, é dar ao estado “um pouco mais de poder preditivo”, para prever os movimentos das baleias-francas e ajudar a pesca de lagostas do Maine a evitar problemas com as baleias.
As baleias-francas do Atlântico Norte são uma espécie ameaçada, com apenas cerca de 370 indivíduos restantes. Elas se alimentam de Calanus finmarchicus, às vezes consumindo centenas de milhões dessas pequenas criaturas todos os dias.
O Golfo do Maine é historicamente um rico local de alimentação para as baleias-francas no verão. Mas, em 2010, uma onda de calor marinho começou a se formar neste ecossistema normalmente frio. Ela iniciou nas águas profundas, onde as correntes oceânicas quentes e frias se deslocam. Então, em 2012, a Nova Inglaterra experimentou temperaturas do ar incomumente quentes também.
De repente, havia menos Calanus adultos de porte grande e ricos em lipídios no final do verão e no outono.
Desde então, as baleias-francas têm nadado mais ao norte em busca de Calanus mais abundantes e gordos. Elas foram para o Golfo de São Lourenço, onde as movimentadas atividades de pesca comercial e grandes navios de alta velocidade não estavam preparados para elas. Muitas baleias foram atingidas por navios ou ficaram enredadas em equipamentos de pesca.
“É possível estabelecer a ligação entre o aumento implacável de CO2 e o que está acontecendo com as baleias-francas agora. E o que está acontecendo com os Calanus“, disse Runge. “É um desses mecanismos realmente complexos de como o aumento de CO2 e o aquecimento resultante estão afetando os ecossistemas do mundo.”
Uma imagem mais completa
Em janeiro, um grupo de pesquisadores europeus pediu apoio contínuo para programas de monitoramento de plâncton de longo prazo.
Desde a década de 1930, os cientistas têm fornecido a navios comerciais dispositivos chamados registradores contínuos de plâncton para rebocar e coletar automaticamente plâncton em redes longas que se enrolam como pergaminhos. Esses métodos e muitas rotas permaneceram consistentes por décadas, permitindo que os cientistas observem as mudanças nas populações de plâncton ao longo do tempo.
Nos Estados Unidos, a Noaa (Administração Nacional Oceânica e Atmosférica) conduz pesquisas de plâncton semelhantes às de Fields desde a década de 1960, ajudando os gerentes de pesca a rastrear a saúde dos ecossistemas de que sua indústria depende.
O último Relatório do Estado do Ecossistema para a Nova Inglaterra, produzido pelo Centro de Ciências de Pesca do Nordeste da Noaa, documentou uma floração de fitoplâncton recorde em 2023 e também descobriu que o zooplâncton em partes da plataforma continental do nordeste está se diversificando, um sinal potencial de reestruturação do ecossistema, de acordo com o relatório.
Em particular, espécies menores, mais gelatinosas e menos ricas em energia estão aumentando.
Os cientistas enfatizam a necessidade de manter os conjuntos de dados de longa duração em andamento.
“O monitoramento realmente não é uma ciência sexy”, disse Michael Parsons, oceanógrafo da Universidade da Costa do Golfo da Flórida. “É difícil manter o financiamento consistente para estar rotineiramente coletando amostras e observando o que está lá.”
Esta reportagem foi produzida pelo New York Times em parceria com Pulitzer Center’s Ocean Reporting Network.