Governos alucinam sobre número de turistas no Carnaval – 13/03/2025 – Cotidiano

A temporada de verão foi bastante pródiga para o turismo brasileiro. Ao menos foi o que apareceu nos números divulgados oficialmente – recordes em turistas internacionais, crescimento no faturamento do turismo doméstico e promessas de excelentes resultados para 2025, que já teve dois meses muito movimentados, culminando com o Carnaval bem próximo do quinto dia útil de março, estimulando um pouco mais a movimentação pelo país. Porém, os números não sobrevivem a uma análise mais criteriosa.

O noticiário ficou recheado de dados e estatísticas oferecidos por prefeituras, secretarias de turismo estaduais e pelo Ministério do Turismo. E não faltaram milhões – de reais, de dólares e de pessoas. Segundo o MTur, foram 53 milhões de foliões no país, e o cálculo é explicado – foram somadas as informações recebidas dos estados e municípios.

Para Salvador, a estimativa foi de 3,5 milhões de foliões, enquanto Olinda esperou 4 milhões. Belo Horizonte apostou em seis, Rio de Janeiro cravou oito e São Paulo não deixou por menos, alardeando que seriam 16 milhões de foliões (dos quais 4,5 milhões seriam turistas). Os demais 15,5 milhões se dividiram entre todos os outros destinos brasileiros. Parece até razoável, mas é improvável e fisicamente impossível.

Muito embora não haja uma definição oficial de folião, é de se esperar que cada folião seja uma pessoa, para que se possa estimar, por exemplo, o volume de banheiros químicos, de água a ser distribuída, de equipes de segurança e resgate. Mas no caso de São Paulo, a informação oficial é que ‘foram somados os valores indicados pelos organizadores dos blocos’ – isto é, a pessoa que optou por curtir três ou quatro blocos no mesmo dia foi contada quatro vezes. Muito provavelmente, o mesmo se deu em cidades com a mesma dinâmica, o que, do ponto de vista da gestão do Carnaval, demonstra desconhecimento do comportamento do público e, por que não, má-fé com quem está recebendo e trabalhando com os dados.

Em relação aos turistas é mais fácil, pois por definição é necessário haver pernoite – em hotel, espaço alugado ou casa de parentes, por exemplo – e a capacidade é limitada, mesmo que não tenhamos acesso a estatísticas oficiais. Relatório recente da consultoria JLL, entretanto, indicou que em 2024 a oferta hoteleira total do Brasil estava em torno de 565 mil quartos de hotéis, o que acomoda, com esforço estatístico, 1,5 milhão de turistas. Estime-se que o dobro deste número tenha optado pela casa de amigos e parentes, e ainda assim não chegamos a 5 milhões de pessoas, menos de 10% do volume de foliões celebrado pelo MTur.

Dentro das reais possibilidades, o que se verificou foram números muito menores. Fotos aéreas feitas por drones, garrafas de água distribuídas, volume de lixo coletado, índice de congestionamento e registro de ocorrências médicas e policiais são variáveis que nos permitiram ter a verdadeira dimensão da festa, que ficou próxima de 40% do valor nacional (21 milhões de foliões no país todo) – e de apenas 20% dos 16 milhões de foliões estimados na cidade de São Paulo. E ainda assim, estamos falando, para a capital, de 3 milhões de pessoas se divertindo, das quais ao menos 300 mil eram turistas.

Ajustar, arredondar e até inflar um pouco os dados é bastante comum neste setor, pela falta crônica de recursos para pesquisas, e pela negligência acumulada nas diferentes gestões do turismo. Animar o debate com uma competição saudável, que esteja também atrelada a mais investimento nos eventos para os diferentes públicos do Carnaval brasileiro, também parece válido e permitido. Mas é prudente que, mesmo arredondados, os valores coincidam com nossa real capacidade de administrá-lo.

Tratar o turismo com responsabilidade envolve lidar com números reais e proporcionais à realidade socioeconômica do país. Implica reconhecer que 100 a 150 mil turistas em capitais em um feriado é sucesso absoluto, e resultado de muito trabalho, principalmente dos pequenos empreendimentos.

Fantasiar números e resultados não vai aumentar a arrecadação de impostos, gerar mais empregos ou atrair mais investimentos. Vai, de fato, reforçar que turismo é somente uma alegoria temática para a alta temporada.

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