Viajar de avião já foi um luxo. Era uma época em que a gente chamava avião de avião – e não de aeronave; as comissárias eram aeromoças, sempre lindas e sorridentes. A necessaire com escova e pasta de dente, hidratante, chinelo e outros mimos não era exclusividade das classes vips. Bons tempos em que a comida tinha sabor e nossos joelhos não ficavam esmagados.
Mas os tempos mudaram. A viagem perdeu o glamour e virou um teste de resistência. Já começa pelo aeroporto. Depois de enfrentar filas e despachar a mala (que, com sorte, chegará ao destino), você entra no zigue-zague da fila para passar pela Polícia Federal para depois encarar a próxima fila. De meias, é obrigado a depositar o celular em uma caixa imunda para passar pelo raio-x, enquanto os seguranças examinam seu frasco de álcool gel como se fosse uma arma química. Finalmente chega a hora de embarcar.
Engana-se quem pensa que a saga terminou: é dentro do avião que o pior acontece, é lá que as pessoas revelam o pior de si. Antes mesmo da decolagem, começa a disputa pelo espaço no compartimento das malas de mão. Quem entra primeiro, marca o seu território e espalha seus pertences para que nenhum intruso invada o espaço conquistado. Depois vem o momento crucial: quem será o seu vizinho de poltrona? É uma loteria, um tudo ou nada que pode mudar o destino da sua viagem.
Uma vez acomodado, inicia-se a disputa velada pelo apoio de braço e a guerra fria entre as fileiras: o botão de reclinar. Não tenha dúvidas: o passageiro à sua frente será do tipo que faz questão de manter a poltrona reclinada durante todo o voo. Não pelo próprio conforto, mas pelo prazer de estar menos desconfortável do que você.
A partir daí, tudo pode acontecer. Desde as cenas clássicas de exageros na bebida, flatulências dissimuladas, casais realizando fantasias sexuais no ar, até pessoas cortando as unhas dos pés ou pendurando calcinhas para secar na saída de ar (para mais exemplos reais, a conta @passengershaming no Instagram expõe algumas bizarrices a bordo). O inesperado faz parte do pacote da viagem e quando o assunto é aviação, o céu nunca é o limite para perrengues.
A tecnologia avançou, os aviões estão mais modernos, mas as turbulências internas, que independem do clima lá fora, têm provocado solavancos cada vez mais inusitados. A explicação técnica para esse fenômeno é que tais instabilidades são resultantes do encontro de massas humanas com diferentes pressões e temperaturas, além, é claro, das variações irregulares do humor da tripulação.
Dentro da lata alada que confina centenas de passageiros sem chance de fuga, impera a lei de que quem manda são os comissários de bordo. Ingrid Guimarães sentiu isso na pele quando foi “cordialmente” coagida a ceder seu lugar para um passageiro da classe executiva. O critério da escolha? Uma mulher desacompanhada. A companhia aérea venceu pela força, mas teve o azar de escolher como “mulher indefesa” justamente Ingrid Guimarães, que com sua voz poderosa desabafou por todos nós, pobres mortais, que já passamos por situações parecidas.
O episódio foi uma verdadeira aula sobre a “síndrome do pequeno poder”. Como já dizia o Barão de Itararé: “Quer conhecer Inácio, coloque-o num palácio”, que, no caso concreto, pode ser traduzido como “dê um uniforme e um microfone a alguém, e você verá o show de arrogância”. O poder é irresistível – para pessoas que não sabem lidar com ele.
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