RJ tem traficantes de outras regiões procurados em favelas – 17/03/2025 – Cotidiano

O Rio de Janeiro tem 249 pedidos de auxílio ativos de outros estados para a captura de líderes do tráfico que estariam escondidos em favelas da região metropolitana. Um deles seria, segundo investigadores, Emílio Carlos Gongorra Castilho, o Cigarreira, apontado como o mandante da morte de Antônio Vinícius Gritzbach, delator do PCC morto a tiros no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.

Segundo investigadores, Cigarreira, ligado ao PCC, teria fugido para o complexo da Penha, na zona norte da cidade, uma das principais bases do Comando Vermelho. No local, ele teria sido visto no baile Selva, como é chamado o evento em homenagem ao chefe local da facção, Edgar Alves, o Urso.

A reportagem tentou contato com a defesa de Castilho, mas não teve retorno.

Os estados com maior número de pedidos são Goiás (53), Bahia (33) e Pará (35). Os números foram obtidos pela Folha com a Polícia Civil do Rio.

Nas favelas, segundo policiais, os foragidos encontram espaços de lazer com estrutura de resort, incluindo piscina, sauna e academia.

O governador Cláudio Castro (PL) afirmou que tem levado propostas para o fortalecimento da segurança pública a Brasília. “Só a atuação das nossas polícias não basta. Tenho levado a Brasília propostas voltadas ao fortalecimento da segurança pública, incluindo o endurecimento das leis penais contra o crime organizado, maior autonomia para que os estados legislem sobre segurança, reforço no controle de fronteiras e revisões na Lei de Responsabilidade Fiscal.”

Uma das apostas do governo do Rio é a suspensão da ADPF 635, ação que questiona as operações policiais em comunidades. No próximo dia 26, o STF (Supremo Tribunal Federal) deve retomar o julgamento, que corre há quase cinco anos.

Segundo a polícia fluminense, as facções criminosas expandiram seus territórios desde que, em 2020, durante a pandemia, o tribunal decidiu, no contexto dessa ação, suspender operações policiais em comunidades do Rio.

Segundo o subsecretário de planejamento e integração operacional da Polícia Civil do Rio, delegado Carlos Oliveira, um fator que inicialmente influenciou a migração de criminosos é a disputa entre o PCC e o CV, que começou em 2016, com a morte do traficante Jorge Rafaat Toumani, que teria sido planejada pelo PCC.

“Com a disputa entre o PCC e o CV, as facções de alguns estados passaram a se aliar. O Comando Vermelho passa a dar auxílio para esses criminosos, os escondendo em favelas do Rio”, disse.

Em fevereiro, no entanto, um relatório do Ministério da Justiça apontou uma possível ação conjunta entre os dois grupos, que incluiria um pacto de não agressão. A fuga de Cigarreira para a Penha teria acontecido nesse contexto.

Para o subsecretário, a geografia da cidade, com vários morros, e a resistência de criminosos armados com fuzis à polícia são atrativos para que foragidos procurem as favelas cariocas. Enquanto Oliveira conversava com a reportagem, um canal de televisão noticiava que criminosos haviam sequestrado um ônibus em um dos acessos ao morro do Chapadão para usar como barricada.

“É disso que estamos falando [em referência ao ônibus]: a resistência à ação policial, com armas de grosso calibre, colocando a população em risco, em um relevo de difícil acesso”, afirmou.

“Agora, as facções têm novas rotas de drogas e armas pelo Brasil e internacionais, além de maior proteção contra o acesso à polícia. E houve um intercâmbio do know-how. No Ceará, criminosos impuseram o uso da internet e atacaram empresas do setor, algo que eles aprenderam com os criminosos daqui”, afirmou.

Entre outras trocas de conhecimento citadas por Oliveira estão as de contatos de armeiros e fornecedores.

Ostentação do tráfico

A migração também ocorre, segundo policiais, porque é cada vez mais comum a construção de áreas de lazer para traficantes nas favelas, com obras complexas e toques de luxo, como acabamentos de mármore.

Além disso, criminosos da região costumam promover festas com fogos de artifício e entrada livre de mulheres.

O delegado André Neves, diretor das delegacias especializadas, afirma que essa ostentação é uma tentativa de influenciar moradores. Junto com a Polícia Militar, ele coordenou a demolição do chamado “resort do tráfico”, no Complexo de Israel, na última semana.

O local, usado por Álvaro Malaquias, o Peixão, apontado como chefe do TCP (Terceiro Comando Puro), tinha lago artificial com pedalinhos, academia, sauna, área para churrasco e campo de futebol. A reportagem tentou contato com a defesa de Malaquias, mas não teve retorno.

Ainda segundo Neves, durante a construção do espaço, que recebia festas do tráfico, foram cometidos crimes ambientais.

“Esse resort também ficava ao lado de um Ciep [Centro Integrado de Educação Pública], o que poderia levar as crianças a olhar para esses traficantes como exemplo”, disse.

Para Artur Costa, psicanalista e professor sênior da ABPC (Associação Brasileira de Psicanálise Clínica), a ostentação pode ser entendida como uma forma de compensação e afirmação de poder.

“Muitos deles vêm de uma realidade de extrema desigualdade, onde a sensação de ser invisível para a sociedade é muito forte. Quando exibem riqueza, seja com casas luxuosas em favelas ou nas redes sociais, estão tentando mostrar que conquistaram um status que antes lhes era negado”, disse.

“Na psicanálise, sabemos que o ser humano precisa do olhar do outro para se sentir reconhecido. Para esses indivíduos, ostentar bens materiais é uma maneira de buscar respeito e validação. A sociedade valoriza muito o dinheiro e o poder, e essa exibição serve para reforçar a ideia de que eles ‘venceram’ dentro do meio onde estão inseridos”, acrescentou.

Para o psicanalista, essa ostentação “mostra uma necessidade intensa de reconhecimento e pertencimento”. “Quanto maior a exibição, maior pode ser a insegurança por trás dela”, disse.

Nesse contexto, a Secretaria de Segurança Pública criou serviços voluntários que chegam a pagar R$ 1.200 por plantão para evitar que agentes façam bicos como segurança ou sejam corrompidos por traficantes.

Mesmo assim, segundo um dos promotores estaduais responsáveis por apurar crimes militares, não são raras as denúncias de crimes de corrupção. “Existem vários casos denunciados de policiais que exigiam dinheiro de traficantes, inclusive com mega operações como a Calabar e Purificação”, disse o promotor Paulo Roberto Mello.

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