A mulher que pode ter sido papa – 24/02/2025 – Cotidiano

Entre todos os papas eleitos pela Igreja Católica, um pode ter sido uma mulher. Papisa Joana teria sido a líder da Igreja por dois ou três anos, eleita após a morte do papa Leão 4º, por volta do ano 855. Com formação em teologia e filosofia, papisa Joana teria impressionado os doutores da Igreja e sido alçada ao trono de Pedro até que fosse brutalmente assassinada.

Sua morte teria ocorrido durante uma procissão religiosa quando, depois de ter escondido o fato de ser mulher e sua gravidez, entrou em trabalho de parto. Foi apedrejada por uns, enquanto outros, espantados com o evento, gritavam, admirados: “Milagre! Milagre!”.

A história da papisa Joana tem sido contada em diferentes versões há mais de 700 anos. Não se tem certeza sobre sua veracidade; a Igreja não a reconhece, e historiadores contemporâneos dizem não ter elementos para atestar sua existência. Mas a falta de fundamentos históricos nunca foi impedimento para a devoção no catolicismo.

Se pairam dúvidas sobre a existência de papisa Joana, também é bastante duvidoso que Santo Expedito, por exemplo, um dos santos mais populares do catolicismo brasileiro, tenha sido uma pessoa de verdade. A própria Igreja Católica, na edição de 2001 do Martirológio Romano, uma espécie de livro de todos os santos oficiais, não reconheceu Santo Expedito.

O santo das causas urgentes e impossíveis teria sido, segundo a tradição, um militar romano de alta patente, morto por professar a fé cristã quando esta era proibida. Por isso, sua iconografia o retrata trajando vestes militares e portando uma espada. Segundo historiadores da própria Igreja Católica, a devoção a Santo Expedito teria surgido após confusões linguísticas.

Alguns dizem que as referências a Santo Expedito são resultado de séculos de erros de pronúncia sobre Santo Elpídio, outro soldado romano martirizado que, esse sim, é um santo oficial da Igreja. Noutra hipótese, ainda mais divertida, a devoção teria surgido porque, em pacotes contendo relíquias de santos enviadas de uma igreja para outra, escrevia-se “expeditu”, em latim, que significa expedido, enviado. Daí a confusão: quando o pacote chegava ao seu destino, virava Santo Expeditu.

Papisa Joana é retratada em pinturas e desenhos desde a Idade Média. Mariano Escoto, um monge beneditino que dedicou a vida a escrever crônicas sobre aquele período, afirmou: “O papa Leão morreu nas calendas de agosto e foi sucedido por Joana, uma mulher, que reinou durante dois anos, cinco meses e quatro dias”.

Também é sabido que, em Roma, existiu uma estátua cuja inscrição dizia: “Perdoa, Pai dos Pais, o parto traído da papisa”, em referência a Joana. E ainda há registros históricos de um decreto romano proibindo que se inscrevesse “papisa Joana” na lista oficial dos papas. Ambos os fatos alimentam teorias de que a papisa teria existido e sido deliberadamente escondida da história da Igreja Católica.

Há historiadores católicos que sustentam que Joana foi uma invenção de detratores da Igreja. Essa tese diz bastante sobre a dificuldade milenar da Igreja Católica em lidar com mulheres. Afinal, como fica explícito nessa leitura, no contexto do catolicismo, a ideia de uma papisa mulher só pode ser uma invenção dos inimigos da Igreja.

Joana é figura de inspiração de livros há séculos, pelo menos três filmes já foram dedicados a ela, e, nas cartas do Tarot, a ilustração da papisa é inspirada em suas representações medievais. Devoção e precisão histórica nem sempre andam juntas, como bem ilustra o caso de “Santo Expeditu”.

Por isso, ao refletirmos sobre a figura do líder máximo da Igreja Católica, talvez valha mais olhar para a papisa Joana. Há mais de 700 anos, sua história instiga imaginações —e inquieta uma Igreja que insiste em negar às mulheres um lugar no altar do poder.

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