A relação do papa Francisco com evangélicos na Argentina – 25/02/2025 – Cotidiano

Evangélicos são o segundo maior grupo religioso do país, ficando atrás apenas dos católicos, e sua influência vem crescendo nos últimos anos. Com a saúde do papa Francisco sendo notícia, vale a pena discutir a relação dele com esse grupo na Argentina.

Jorge Bergoglio, agora papa Francisco, foi o primeiro pontífice latino-americano, assumindo o cargo em um momento em que a Igreja Católica enfrenta uma queda de seguidores na América Latina. Por muito tempo, essa foi a região com mais católicos no mundo, mas, hoje, igrejas evangélicas e pessoas sem religião têm conquistado cada vez mais espaço. Curiosamente, a presença do papa argentino não impediu esse movimento em seu próprio país: nos últimos anos, o número de católicos continuou caindo, enquanto os evangélicos e os sem religião aumentaram.

Durante seu papado, a relação de Francisco com os evangélicos argentinos passou por altos e baixos, alternando entre momentos de proximidade e afastamento. A tensão entre protestantes e católicos na Argentina não é de hoje. No entanto, desde sua época como padre e arcebispo de Buenos Aires, Bergoglio buscou o diálogo inter-religioso e se aproximou de vários pastores evangélicos com quem compartilhava ideias e preocupações.

Nos anos em que foi arcebispo, ele construiu uma aliança estratégica com igrejas cristãs com posições conservadoras em temas sensíveis, como casamento igualitário, educação sexual e os primeiros debates sobre a legalização do aborto. Nesse período, ele teve contato frequente com a Aliança Cristã das Igrejas Evangélicas da República Argentina (Aciera), que reúne a maioria das igrejas pentecostais do país.

Quando Bergoglio foi eleito papa em 2013, gerou um “efeito Francisco” e a Argentina inteira celebrou. O governo organizou eventos e até decretou dias de folga em escolas. No entanto, nem todos ficaram satisfeitos. A Federação Argentina de Igrejas Evangélicas (Faie) que parabenizou Francisco, criticou o governo por impor celebrações oficiais em torno de uma figura religiosa, argumentando que isso feria a liberdade religiosa.

No Vaticano, Francisco manteve sua postura de aproximação com os evangélicos argentinos. Poucos dias após sua posse, recebeu pastores amigos em sua residência. Em 2017, nomeou um pastor presbiteriano como chefe da edição argentina do jornal oficial do Vaticano, o L’Osservatore Romano.

Como no restante do mundo, a figura de Francisco tem sido um ponto de convergência para espaços de diálogo entre religiões, e suas encíclicas “Laudato Si” (sobre meio ambiente) e “Fratelli Tutti” (sobre fraternidade humana) impulsionaram debates e orações conjuntas.

Além disso, bispos católicos começaram a promover mais eventos inter-religiosos, inclusive com a presença de evangélicos em encontros com autoridades governamentais, algo pouco comum no passado.

O debate sobre o aborto reacendeu tanto as tensões quanto as alianças. Quando o tema entrou em pauta no Congresso argentino, católicos e evangélicos se uniram contra a legalização. No entanto, quando a lei foi aprovada em 2020, alguns pastores evangélicos conservadores se sentiram decepcionados, achando que Francisco não fez o suficiente para impedir a legalização.

Outro ponto de discordância surgiu em relação às posições políticas do papa. Muitos líderes evangélicos conservadores passaram a se afastar dele por causa de suas críticas às injustiças do capitalismo e por seu apoio a políticos de centro-esquerda, especialmente os peronistas (um dos principais movimentos políticos do país). Curiosamente, isso acabou aproximando o papa de setores progressistas das igrejas evangélicas, que antes o criticavam por suas posturas sobre moralidade sexual.

Hoje, a relação entre católicos e evangélicos na Argentina continua sendo um misto de convivência e competição. No dia a dia, os fiéis dessas religiões vivem lado a lado, mas, ao mesmo tempo, a ascensão das igrejas evangélicas desafia a hegemonia católica no país.

Francisco, por sua vez, segue promovendo o diálogo e incentivando a colaboração entre diferentes religiões. Isso ajuda a fortalecer a convivência pacífica, mas não elimina completamente as diferenças entre as igrejas na Argentina. Com ou sem o papa argentino no comando, a relação entre católicos e evangélicos no país segue sendo marcada por alianças estratégicas, discordâncias teológicas e disputas por influência na sociedade.

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