Perto das seis da manhã do dia 7 de dezembro, Robert Diniz chegava em casa para descansar depois de um turno de trabalho à noite. Depois de tomar seu café, foi dormir.
“Mas, pelas 9 da manhã, meu primo me acordou dizendo que tinha havido um deslizamento e que era para sair de casa. Peguei meus documentos e um dinheiro que tinha, deixei todo o resto e saí. Minha mãe não queria sair”, lembra.
Diniz é funcionário público na Prefeitura de Conceição do Pará (MG), município a 130 km a oeste de Belo Horizonte. Naquele dia, uma pilha de rejeitos da mina Turmalina, usada na produção de ouro pela Mineração Serras do Oeste (controlada pela canadense Jaguar Mining), desmoronou em Casquilho de Cima, povoado onde mora.
“Depois vieram várias caminhonetes da mineradora avisando todo mundo sobre o deslizamento. Diziam às pessoas para sair de casa e nos levaram para a parte mais alta de Casquilho”, conta ele.
Pouco depois, Robert e mais de 250 pessoas foram deslocadas para hotéis em municípios próximos porque a capacidade de ocupação em Conceição do Pará é pequena. As semanas que se seguiram foram difíceis.
“A gente ficava confinado sem ter nenhuma informação da empresa. Mas nesse período eles deram uma ajuda de custo de R$ 10 mil por núcleo familiar”, conta Diniz, que desde o Natal está temporariamente alocado com a mãe em um apartamento alugado pela mineradora em Pitangui (MG).
Ele conta que o deslocamento está mais custoso, pois Pitangui fica a 15 km de Conceição do Pará. “Quem tem filho matriculado em Conceição vai ter que dar um jeito de arrumar transporte ou transferir. Está complicado porque nisso a empresa não está dando suporte”, diz.
Mas esse não é o maior dos problemas. “A reclamação de todo mundo é a falta de informação. Eles não se reúnem com a gente para dar um prazo, se vão deixar a gente pegar nossos pertences”, critica.
Em nota à Folha, a Jaguar Mining diz que “por tempo indeterminado, o acesso à comunidade de Casquilho de Cima não está autorizado”, após decisão conjunta entre a empresa e autoridades federais, estaduais e municipais.
A companhia afirma ainda que realizou obras emergenciais relacionadas ao deslizamento da pilha de rejeitos e estéril, “incluindo a construção de uma barreira de contenção e de estruturas para a retenção de sedimentos de águas pluviais”, e que, como medida de segurança, instalou radares para monitorar o local.
A Semad-MG (Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais) multou a Jaguar Mining em mais de R$ 300 milhões pelo deslizamento.
Diniz teme que armários com comida estejam invadidos por baratas, já que não puderam fazer a limpeza das casas, e não há funcionários contratados pela mineradora para fazê-lo. “Nos perguntam o que estamos precisando, mas o que mais precisamos são respostas, e isso eles não dão”, desabafa.
Quem acompanha o caso de perto também reclama de falta de informação —não apenas por parte da Jaguar Mining, mas também pela ANM (Agência Nacional de Mineração).
Em dezembro, o jornalista e ambientalista Gustavo Gazzinelli pediu alguns dados à ANM —dentre eles o detalhamento do preparo do solo para suportar o peso da pilha de rejeitos Satinoco, estimado em 1,6 milhão de metros cúbicos. Ele também pediu detalhes sobre o sistema de escoamento de água da chuva referente à pilha que desmoronou.
Segundo a ANM, os dados estão sob sigilo empresarial. “É um subterfúgio legal para sonegar informações à sociedade”, queixa-se Gazzinelli. “Segredo industrial faz sentido para proteger informações sobre técnicas adotadas na extração ou beneficiamento de minério, por exemplo. Mas, neste caso, traz insegurança socioambiental, especialmente depois de um acidente desses.”
Questionada novamente pela Folha, a resposta da ANM é a mesma. Em nota, a agência afirma que, de acordo com uma resolução de 2019, dados que constam no Plano de Aproveitamento Econômico (conhecido pela sigla PAE), no Relatório Anual de Lavra (RAL) e outros documentos fornecidos pelas mineradoras à ANM podem ficar sob sigilo se as empresas pedirem —desde que o pedido seja deferido pela agência. E é este o caso.
Para o físico Daniel Neri, que estudou conflitos ambientais ligados à mineração durante seu doutorado na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a informação sob sigilo não deveria apresentar risco empresarial porque é um dado corriqueiro. E faz uma analogia: “Para se construir um prédio, é preciso fazer um estudo prévio do solo para saber o quanto ele aguenta de peso antes de se fazer a fundação. Com uma montanha artificial, que é a pilha de rejeito, a lógica é a mesma”.
Em nota à reportagem, a Jaguar também não deu detalhes sobre a estrutura da pilha —que, antes do rompimento, havia sido vistoriada ao vivo pela última vez há mais de cinco anos. A ANM informa ter vistoriado a pilha Satinoco em outubro de 2019 —e depois, de maneira remota, em 2021.
Sobre as causas do deslizamento, a empresa diz aguardar os resultados de estudos técnicos que estão sendo feitos para determinar o que causou e como aconteceu o acidente.
Em termos de operação, a Jaguar diz ainda que possui licença ambiental válida “e presta continuamente todas as informações e esclarecimentos aos órgãos ambientais, por meio dos sistemas oficiais”. Sobre isto, a ANM afirma que existe um processo de renovação de licença de 2012 que está, “até onde temos ciência, em revalidação automática até que o órgão ambiental responsável decida sobre o pedido”.
O episódio coloca em questão se pilhas de rejeito e estéril são uma alternativa segura às barragens de rejeito na mineração. Hernani de Lima, professor da Escola de Minas na Ufop (Universidade Federal de Ouro Preto) explica que, na barragem de rejeito, o conteúdo sólido chega a 40% do total, enquanto na pilha, o rejeito é filtrado e compactado, e tem em geral 20% de umidade.
Num rompimento, o rejeito de uma pilha não vai tão longe quanto no caso de uma barragem, mas não quer dizer que seja uma alternativa muito mais segura. “Tudo depende do relevo do terreno, das condições no entorno e do planejamento e operação do empreendimento,” explica o professor. “Não pode ter comunidades ou construções próximas, como foi o caso de Conceição.”
Ao contrário do que acontece com as barragens, a discussão sobre a segurança de pilhas de rejeito ainda é incipiente. “O problema é que não tem muita regulamentação. A legislação que temos ainda não dá conta da questão”, avalia Lima.
O incidente com a pilha Satinoco pode não ter tido as dimensões do rompimento das barragens de Fundão em Mariana (MG), em 2015, ou do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), que completa seis anos neste sábado (25), mas nem por isso deixa de preocupar, dizem os especialistas.
O material está próximo ao leito do rio Pará, afluente do São Francisco e, caso haja contaminação, o problema pode ser grave. “A extração de ouro envolve arsênio e outros metais pesados”, lembra Gazzinelli.
Sobre a qualidade da água do rio Pará, a Semad-MG disse, por email, que medidas de segurança —como um contrapilhamento para barrar o material deslizado— foram tomadas para evitar a contaminação. Análises de qualidade da água feitas no último trimestre ainda não foram concluídas.