‘Ainda Estou Aqui’: A trilha tem papel narrativo crucial – 02/02/2025 – Becky S. Korich

Por trás de todo grande filme há sempre uma trilha sonora brilhante. “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles, é um bom exemplo. A seleção musical combina músicas icônicas da MPB, Tropicália e do rock brasileiro, além de um clássico internacional de Serge Gainsbourg e Jane Birkin e uma trilha instrumental original composta especialmente para o longa. A trilha desempenha um papel narrativo crucial no filme: nos aproxima dos personagens e nos transporta para dentro de cada momento histórico —desde os tempos felizes em família, os anos de escuridão (muitas das músicas foram proibidas na época, uma entrelinha brilhante), até os momentos de alívio.

A canção “É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo”, de Erasmo Carlos e Roberto Carlos, não por acaso, virou a identidade do filme. Originalmente lançada em 1971, período marcado pela repressão política e censura, a música foi esquecida por anos e foi resgatada para compor a trilha sonora. Se fundiu à narrativa de uma forma tão natural que parece ter sido composta especialmente para o filme.

Música e cinema são inseparáveis, como disse Martin Scorsese. Para se ter uma boa trilha, não basta juntar ou criar músicas que “combinem” com o filme, trata-se de um trabalho de arte, meticuloso e sofisticado. Não pode ir além, até perturbar o espectador, nem ser insignificante, até se perder no filme. A boa trilha não apenas acompanha a cena, mas se incorpora ao filme de uma forma tão profunda que amplifica a ressonância emocional e revela significados que vão além das imagens e das palavras. Digo isso sem credenciais técnicas, mas como uma apaixonada pelo cinema e pela música.

O filme “Dias Perfeitos”, de Wim Wenders, tem a música como o fio condutor para contar a vida de Hirayama (Koji Yakusho), um limpador de banheiros públicos de Tóquio, que encontra encantamento na rotina e nas situações banais. Lou Reed, The Animals, Patti Smith, Velvet Underground e The Rolling Stones fazem parte da trilha. É o próprio Hirayama quem, no filme, escolhe as músicas, nos convidando a compartilhar da mesma experiência auditiva (diegética). As músicas, em grande parte do filme, são reproduzidas em fitas cassetes: aqui, o meio é tão importante quanto a música.

Outro filme musicalmente marcante é “Lisbela e o Prisioneiro”, de Guel Arraes, que traz a história de amor entre Lisbela (Débora Falabella) e Leléu (Selton Mello). A trilha sonora adiciona mais poesia e encantamento às cenas, e a emoção transborda na voz de Caetano Veloso, em “Você Não Me Ensinou a Te Esquecer”.

“Pulp Fiction – Tempos de Violência”, de Quentin Tarantino, mistura soul, funk, rock e surf music, ao estilo do diretor, que capturam com precisão o espírito de cada situação. As cenas inesquecíveis da abertura eletrizante, em que um casal anuncia um assalto em uma lanchonete, e a clássica dança de Uma Thurman e John Travolta não teriam o impacto que têm sem o riff poderoso da guitarra de Dick Dale & His Del Tones e a batida contagiante de Chuck Berry.

O gênio Ennio Morricone, que compôs mais de 400 partituras para cinema e televisão, tinha a fórmula mágica para contar histórias por meio da música. Suas trilhas inesquecíveis em “Cinema Paradiso” e “Era Uma vez na América” são verdadeiros elementos narrativos por si só. Outras trilhas memoráveis: “Dona Flor e Seus Dois Maridos” – “O Que Será” (Chico Buarque e Francis Hime); “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” (Yann Tiersen); “A primeira Noite de um Homem” – “The Sounds of Silence” (Simon & Garfunkel); “Magnólia” – “Save me” (Aimee Mann). “Carruagens de Fogo” (Vangelis). Além, é claro, dos clássicos “O Mágico de Oz” – “Over the Rainbow”, “Casablanca” – “As Time Goes By” e “Cantando na Chuva” – “Singin’ in the Rain”.

A lista é grande. O cinema agradece.


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