“O Contador de Areia” é uma carta escrita por Arquimedes (287–212 a.C.) a seu rei, Gelon 2° (266–216 a.C.) de Siracusa, por volta de 240 a.C.. No texto de cerca de oito páginas, o matemático explica: “Há quem pense que a quantidade de grãos de areia é infinita, e também aqueles que, sem acharem que seja infinita, acreditam que não exista nome para o número que descreve tal quantidade”.
E logo se propõe a rebater essa ideia: “Mas eu mostrarei, rei Gelon, por provas geométricas que tu compreenderás, que entre os números que posso nomear existem alguns maiores até que a quantidade de grãos de areia que encheria o Universo inteiro”.
Para isso, Arquimedes precisou fazer duas coisas: calcular o volume do Universo, segundo as concepções cosmológicas da época, claro, e inventar um sistema para designar números muito grandes.
O sistema jônico de numeração, o mais usado pelos gregos na época, representava as unidades (1 a 9), as dezenas (10 a 90) e as centenas (100 a 900) por meio de 27 letras, e só designava os números de 1 a 999.
Usando um truque, dava para chegar a 9.999, mas ia parando por aí. O número seguinte, 10.000, era representado pela letra M e era chamado míriade. Para os gregos antigos deve ter parecido muito longínquo: basta ver que o nome chegou a muitas línguas de hoje, inclusive a nossa, com duplo sentido: “Míriade” significa tanto “dez mil” quanto “quantidade indeterminada, mas certamente imensa”. Pense em: “O céu noturno estava repleto de uma míriade de estrelas cintilantes”.
Arquimedes tomou como ponto de partida a míriade de míriades, M2=10.000×10.000 (108, em notação científica moderna). Chamou 1 de unidade de 1a ordem, M2 de unidade de 2a ordem, M4 de unidade de 3a ordem, M6 de unidade de 4a ordem etc. Os números de 1 a M2-1 ele considerava de 1a ordem, aqueles de M2 a M4-1 considerava de 2a ordem, e assim por diante. Até aqui lembra o que seria o nosso sistema decimal de numeração se substituíssemos a base 10 por M2= 108.
Mas ele levou essa nomenclatura só até à ordem M2, ou seja, até alcançar o número M2elevado a M2, que chamou de “unidade do segundo período” (os números e ordens até aí ele considerava do primeiro período). Trata-se de um número colossal, representado por um 1 seguido por 800 milhões de zeros. Muitíssimo maior do que a quantidade de grãos de areia, certamente: a ciência moderna estima que existam menos de 1080 (um 1 seguido de 80 zeros) átomos em todo o universo conhecido.
Incrivelmente, Arquimedes não se deu por satisfeito e partiu para definir as ordens do 2o período, usando um procedimento análogo. Assim, estendeu seu sistema de numeração até à unidade do 3o período, M2elevado a M2elevado a M2, um número praticamente inconcebível, descrito por um 1 seguido de 80 quatrilhões de zeros. Aí, enfim, ele parou!
Agora só faltava calcular o volume do Universo… Arquimedes se baseou no modelo heliocêntrico de Aristarco de Samos (310–230 a.C.). Conforme comentei em outra coluna, o trabalho original de Aristarco se perdeu e “O Contador de Areia” é uma das poucas referências a ele que sobreviveram.
Essa parte fica para o próximo episódio, o último de nossa saga!
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