Até o fim, encontrava seus caminhos e nunca arrefecia – 07/02/2025 – Cotidiano

“Fany tem coragem de mamar em onça parida” era o que o pernambucano José de Andrade Cavalcanti (1918-2000) costumava dizer como desabafo ao se sentir contrariado pela mulher, Fany Corrêa Cavalcanti, nascida em São José do Rio Preto, interior de São Paulo.

Por ser dita com alguma frequência, a frase era conhecida pela família. Mas, com o tempo, ela passou a ser entendida como elogio, sinônimo de quem não teve medo do tempo ou de pessoa.

Um tanto à revelia, Fany comprou um piano e começou a tocá-lo, assim como violão e flauta —depois dos 90 anos, também fez aula de gaita. A música, então, fez parte da casa e da vida de filhos e netos. A esta neta sem talento para dominar instrumentos, tocava o “Nocturne Op.9 n.2” para que acordasse.

Aprendeu paisagismo, pintura, fazer colares, origami, esculturas em barro. Ninguém de sua família, ao que se sabe, fazia alguma dessas atividades antes.

Também voltou a estudar, trabalhou e foi capa da revista Sãopaulo desta Folha —seu marido, morto em 2000, não teve chance de vê-la. Os dois se casaram em 1946 e, anos depois, mudaram-se com o primeiro filho, Eduardo, para Arcoverde, interior pernambucano, onde ficava a fazenda da família Cavalcanti.

Lá, aprendeu a fazer cozido de carne com pirão, comer cuscuz com nata, colocar abóbora no feijão —com muito coentro. Não gostava do fogão, mas trouxe tudo isso para São Paulo anos depois, junto com o filho “galego” que nasceu em Pernambuco, José Carlos. A mais nova, Estelita, é paulistana.

De volta à capital, quis abrir um armarinho, loja que vendia linhas, botões, tecidos e outras miudezas que ela comprava na rua 25 de março. Não anunciou o plano ao marido: foi economizando aos poucos uma parcela do dinheiro que recebia para administrar a casa todo mês, até ter o suficiente para abrir o negócio.

Foi mais ou menos assim que seguiu até o fim da vida: encontrava seus caminhos, nunca se explicava ou arrefecia.

Depois de fechar a loja e de ver os filhos na escola, voltou ao colégio. Fez vestibular, foi aprovada na faculdade, se formou e se tornou professora da rede pública estadual. Era responsável pelas aulas de educação artística.

Com o salário próprio, comprou um Fusca bege (sempre acidentado), viajou e estudou. Até os 99 anos, completos antes do diagnóstico de câncer no estômago, fazia aula de inglês e piano. Na semana anterior à morte, dia 8 de janeiro, planejava viajar a Portugal, mesmo que não pudesse mais se mover na cama. Nunca deixou de fazer planos para quando ficasse boa.

Fany deixa três irmãs, três filhos, oito netos, um afilhado, 11 bisnetos e muitas sementes e flores plantadas.

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