Baby do Brasil leva fé e polêmica ao Carnaval – 27/02/2025 – Cotidiano

Baby do Brasil anunciou, no Carnaval do ano passado, que “o arrebatamento poderia acontecer entre cinco e dez anos”. A reação de Ivete Sangalo, que rebateu dizendo que iria “macetar” o apocalipse, viralizou nas redes sociais. E o termo “arrebatamento” esteve entre os mais buscados no Google no Carnaval de 2024.

O tema do arrebatamento será retomado pela cantora Baby do Brasil no Carnaval de Salvador na próxima semana. Ela promete estar em cima do trio elétrico batizado de Arrebatados. Baby foi a primeira mulher a cantar em um trio elétrico, isso em 1979. Será a primeira estrela do time principal da música brasileira a misturar elementos da fé evangélica com a maior festa do país — o Carnaval.

A cantora e pastora Baby —que se apresenta como “popstora”— é uma usina de imprevisibilidade, portanto, prefiro não “profetizar” a respeito da performance artística ou da mensagem religiosa do trio elétrico Arrebatados. Porém, o episódio protagonizado por ela no Carnaval passado e o anúncio da novidade deste ano são suficientes para dizer que o Brasil está a cada ano mais evangélico, e os evangélicos estão cada vez mais brasileiros.

Arrebatamento é como os evangélicos chamam a crença na retirada dos crentes da terra antes do começo dos sofrimentos que precederão o Juízo Final. Baby se converteu ao pentecostalismo em 1999 por influência de sua filha Sarah Sheeva e em suas entrevistas e shows faz questão de explicitar suas crenças.

O trio elétrico Arrebatados deverá desagradar a evangélicos que pensam que lugar de crente é longe de uma festa marcada por bebidas alcoólicas e nudez, mas poderá desagradar igualmente a grupos artísticos e intelectuais que enxergam como fanatismo a insistência de crentes, como Baby, de levar a mensagem religiosa em todos os contextos sociais, inclusive no Carnaval.

Não importa de que lado você esteja, se aprova ou reprova a ousadia da Baby do Brasil, o trio elétrico Arrebatados é um experimento musical privilegiado para observação da mudança cultural que o crescimento dos evangélicos está promovendo no país.

A mudança cultural é uma via de mão dupla. As igrejas evangélicas se ajustam para acomodar novos membros, como artistas, adaptando seus preceitos morais para permitir que continuem suas carreiras. Alguns artistas até tentam mudar para o gospel, mas isso não é viável para todos, especialmente para alguém com uma carreira longa e notável como a Baby do Brasil.

Por outro lado, é a cultura brasileira que muda com o crescimento evangélico. O catolicismo e as religiões afro são há séculos fontes de abastecimento da cultura no Brasil. O apelo conversionista e a herança puritana tornam os evangélicos mais arredios à participação nas festas populares, como o Carnaval, porém, não impermeáveis e, aos poucos, meio que a conta-gotas, os evangélicos começam a abastecer com suas crenças e termos próprios a música e a cultura nacionais.

É nessa perspectiva que sugiro que vejamos, por exemplo, atitudes como a da cantora Claudia Leitte que mudou na letra da música “Caranguejo” o trecho “saudando a rainha Iemanjá” por “eu canto meu rei Yeshua” (termo para se referir a Jesus). Baby também trocou “dragão” por “Jesus forever” na letra de “Menino do Rio”.

Artistas e intelectuais que temem que o crescimento evangélico leve o Brasil na direção de um “talibã gospel” deveriam ser os primeiros a comemorar a entrada, meio desajeitada, de evangélicos no Carnaval. Afinal, por que somente o catolicismo e as religiões afro deveriam abastecer as músicas e as festas brasileiras?

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