Comerciantes e moradores limpavam suas casas e estabelecimentos na manhã desta terça-feira (19), na Freguesia do Ó, zona norte de São Paulo. A forte chuva que atingiu a região na noite de segunda causou a morte de uma mulher e alagou dezenas de imóveis.
“Não desejo isso para ninguém. Isso é terrível. Você vê na televisão, mas não acha que vai acontecer”, diz o aposentado Valdir Aparecido Ramos, 69. No sobrado, ele vive com a esposa e a sogra.
Em meio à chuva, ele tentou segurar a comporta que dava acesso a sua casa, porém a pressão da água foi forte e ele não aguentou. Machucou a cabeça e precisou fazer curativo no hospital.
O carro estragou, além de móveis, eletrodomésticos e, até o início da tarde, um caminhão cheio saiu de sua casa. Ele, no entanto, ainda não consegue estimar o estrago da casa onde vive desde os anos 1990.
“Todo mundo perdeu, vamos limpar agora e depois contabilizar o prejuízo”, afirma ele, que durante a visita da reportagem estava com a casa cheia de primos e sobrinhos que ajudavam a organizar o imóvel. Além das perdas, reclama da falta de segurança e medo de que, como a casa fica vulnerável após as chuvas, que ladrões levam aquilo que não foi atingido pela chuva.
A preocupação é compartilhada por Gilson Pereira, 53, dono de uma oficina na avenida Edgar Facó. Ele viu a oficina encher de água pelas câmeras de segurança, porém não conseguia chegar até lá, uma vez que mora próximo do estabelecimento e também estava ilhado em meio às fortes chuvas.
O empresário diz que, assim que passou a chuva, correu para a oficina e passou a noite por lá com medo de furtos por parte de ladrões que rodeavam a área. Agora, pretende sair da região. “Se eu pegar mais uma dessa, eu quebro”, diz.
Ele calcula que perdeu equipamentos, maquinário e três carros e soma um prejuízo de cerca de R$ 500 mil. A pressão da água foi tão forte que estourou o portal do local e levou um dos carros, que foi encontrado a 300 metros dali.
“Isso é uma questão de infraestrutura da cidade. É muita gente para um lugar só. Cresceu demais e não foi planejada. Não tem o que fazer, vai entrar governo e sair governo e não vai resolver”, diz.
Próximo da oficina, uma farmácia perdeu cerca de 90% do estoque. No local, trabalhavam 20 funcionários a fim de tirar todos os móveis e a lama que tomou conta do local.
Procurada, a Prefeitura de São Paulo diz que a região foi alvo de uma tempestade de quase 70 mm de água, em menos de duas horas, além de picos de até 46,7 km/h de rajada de vento. De acordo com a gestão municipal, o volume médio da chuva desta terça equivale a 11,7% da média esperada para o mês de fevereiro.
A gestão Ricardo Nunes (MDB) afirma que equipes executaram serviços de corte de grama e limpeza nas bocas de lobo de toda a extensão da avenida nos dias 28 de janeiro e 17 de fevereiro. Também afirma que uma equipe foi encaminhada para recolher os descartes irregulares feitos na via.
A administração diz ainda que, desde 2021, concluiu 16 intervenções para contenção de risco entre as regiões da Freguesia e de Pirituba e outra está em andamento.
“O Ribeirão Verde corre ao longo da avenida General Edgar Facó, o curso d’água já é canalizado. Os estudos da bacia hidrográfica, realizados em parceria com a USP, serão concluídos neste semestre”, diz a gestão, que explica que os dados vão demonstrar os pontos críticos de Ribeirão Verde e quais as alternativas a serem adotadas pelo poder público.
Próxima à avenida, casas na rua Afonso Pelaes foram muito atingidas com a tempestade. Moradores afirmam que o local sofreu com chuvas do mesmo volume em 2009.
A água fez tanta pressão na casa do aposentado Celio José da Silva, 75, que abriu um buraco na parede. Ele vive com outros quatro pessoas na mesma casa desde 2008.
“Não tem como ficar aqui mais. Já tinha medo antes, agora com esse rombo não tem como”, diz ele que saiu da casa em meio ao temporal com a água batendo na altura do peito. Na noite, eles contaram com ajuda de vizinhos para deixar a casa.
“Perdemos tudo, vamos limpar primeiro, tirar as coisas e ver o que fazer”, diz ele que, além da limpeza do local, também pretende ficar por ali para fazer vigília e evitar furtos. “Vamos ficar por aqui, além de tudo, ainda tem que se preocupar com segurança.”
Mesmo com o cenário de tragédia, ele tenta manter o otimismo. “Ao menos, estamos vivos. É como diz o ditado, vai-se o anel, mas ficam os dedos.”