Na última quarta-feira (12), a cidade de São Paulo foi afetada por uma forte tempestade, com rajadas de vento que ultrapassaram os 60 km/h.
O evento climático matou uma pessoa, causou alagamentos, derrubou mais de 300 árvores e deixou dezenas de milhares de moradores sem luz. A cidade está sob alerta para nova tempestade nesta quinta (13), até às 21h, segundo o Inmet (Instituto Nacional de Metereologia).
Para o físico Paulo Artaxo, professor da Universidade de São Paulo (USP), não adianta mais encarar episódios do tipo como algo isolado.
“Essa tempestade mais recente não veio de graça. Nos últimos três meses, tivemos pelo menos 30 chuvas fortes parecidas”, lembra ele.
“Isso é causado pelas mudanças climáticas globais e só evidencia como grandes cidades como São Paulo estão totalmente despreparadas”, destaca o especialista, que é um dos membros do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
Segundo Artaxo, a capital paulista “não possui um plano de contigência adequado” e não tem “uma Defesa Civil com o porte necessário” para lidar com chuvas e ventanias.
O cientista também cita a falta de políticas preventivas, como a poda de árvores e o aterramento de fios elétricos.
A reportagem buscou o posicionamento da Prefeitura de São Paulo sobre essas questões, mas não foram enviadas respostas até a publicação.
O que aconteceu em São Paulo
Um balanço das chuvas de 12 março publicado pelo Climatempo aponta que a capital paulista foi mais atingida entre as 16h30 e as 17h30, particularmente nos bairros do centro, da zona leste e da zona oeste.
O texto também destaca “rajadas de vento acima de 50 km/h” — e no aeroporto Campo de Marte, foi registrado um vendaval de 61 km/h às 17h03 de quarta-feira.
Bairros como Butantã, Pinheiros e Itaquera sofreram com granizo e pelo menos 1.478 raios caíram em toda a cidade durante o temporal.
O Centro de Gerenciamento de Eventos Climáticos da Prefeitura de São Paulo (CGE) registrou 23,2 milímetros de chuva na Sé, o maior índice em toda a cidade até às 18h20 de 12 de março.
A prefeitura também contabilizou a queda de 330 árvores.
Cerca de 173 mil clientes ficaram sem luz, de acordo com a Enel, a empresa responsável pelo fornecimento de eletricidade local.
A tempestade ainda deixou uma vítima: um taxista de 43 anos morreu após uma árvore cair sobre o veículo dele na região central de SP.
Para os próximos dias, o CGE aponta que o tempo na capital paulista permanecerá instável. Mas uma nova frente fria chega pelo litoral e deve reduzir a temperatura a partir do final de semana.
Novas pancadas de chuva são esperadas para a tarde desta quinta-feira (14).
O que explica esse fenômeno?
Artaxo destaca que a média de chuvas que cai em São Paulo cresceu em torno de 10 a 15% nos últimos 50 anos.
“Se você olhar para o número de dias em que choveu mais de 100 mm, houve um aumento considerável também”, acrescenta o cientista.
Um estudo feito na USP em 2020 revela como as precipitações extremas estão ficando cada vez mais comuns na cidade.
Segundo os dados, o número de dias com chuva acima de 100 mm já é maior nos últimos 20 anos do que no acumulado das seis décadas anteriores.
No período de 2001 a 2020, foram registrados 11 dias com tempestades que superaram a marca dos 100 mm/dia. Já entre os anos 1941 e 2000, foram 10 dias com esse fenômeno extremo.
A situação fica ainda mais dramática se considerarmos chuvas acima de 80 mm. Foram 25 eventos do tipo entre 2001 e 2020, ante 19 episódios entre 1941 e 2000.
Mas por que há mais chuvas intensas nos últimos anos?
Artaxo pontua que a ocorrência desses eventos climáticos extremos está prevista nos modelos e estudos sobre as mudanças climáticas, como os relatórios do IPCC.
“Não é nenhuma surpresa estarmos vivendo isso agora”, observa ele. “A termodinâmica da atmosfera explica muito bem esses fenômenos”, complementa o físico.
O cientista cita a chamada equação de Clausius-Clapeyron. Segundo essa fórmula, para cada grau de aumento da temperatura, a atmosfera terrestre retém 7% mais umidade.
“E na cidade de São Paulo nós já elevamos a temperatura na ordem de 2,3 °C [em comparação com o período pré-industrial]”, estima ele. Ou seja: há muito mais vapor na atmosfera, que “desaba” com força durante as chuvas.
Segundo Artaxo, embora esses eventos climáticos extremos estivessem projetados, as cidades não se prepararam para lidar com eles ou para mitigar os danos.
“O que choca é uma cidade como São Paulo ficar completamente paralisada, sem assistência dos órgãos públicos para a população”, crítica o físico, que confessa ter demorado duas horas e meia para ir da região da Faria Lima até a USP na quarta-feira (12) — num dia normal, esse trajeto leva em torno de 20 a 45 minutos.
“Além do transtorno, isso gera enormes prejuízos econômicos”, observa ele.
O cientista sugere uma série de ações para que as tempestades dos próximos meses, anos e décadas sejam menos impactantes.
“São coisas simples, que não custam tanto. É olhar para a saúde das árvores. É enterrar a rede elétrica. Nós temos um monte de lições de casa a fazer”, lista ele.
“Precisamos também nos preparar para a necessidade atual. Ficou muito claro que não temos uma Defesa Civil à altura das demandas da cidade. É necessário treinar mais profissionais, identificar áreas de risco e fornecer equipamentos para as pessoas agirem de maneira eficiente e rápida”, complementa o especialista.
Artaxo lembra que esse não é apenas um problema de São Paulo — e todas as cidades brasileiras precisam aprimorar os planos de contigência para eventos climáticos, como chuvas fortes, secas, enchentes e ventanias.
Em seu site, a CGE também lista uma série de medidas simples para amenizar os efeitos de alagamentos:
- Evite transitar em ruas alagadas;
- Não se aventure a enfrentar correntezas em áreas de inundação;
- Fique em lugar seguro e, se precisar, peça ajuda;
- Mantenha-se longe da rede elétrica;
- Não pare debaixo de árvores;
- Abrigue-se em casas e prédios;
- Planeje suas viagens para diminuir a probabilidade de enfrentar engarrafamentos.
Em caso de emergência, ligue para o Samu no número 192.
O texto foi originalmente publicado aqui