Cor e materiais originais desafiam reformas no Rio – 16/02/2025 – Cotidiano

Os cinco portais do Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, foram trazidos da Alemanha ao Brasil há mais de um século. O tempo oxidou o cobre, deixando-o escuro, e emperrou dobradiças. Foi difícil encontrar um especialista para corrigir os defeitos causados pelo tempo logo na porta de entrada do edifício.

Assim como no Museu Nacional de Belas Artes, a busca para reproduzir as cores, materiais e formatos originais de outros prédios históricos da cidade desafiam arquitetos, engenheiros e os órgãos proprietários.

Espaços como o palácio Gustavo Capanema e a estação Barão de Mauá também passam por reformas.

Alguns dos prédios foram erguidos há mais de um século. Adaptá-los às necessidades atuais, como aparelhos de ar-condicionado, é outro obstáculo.

No Museu Nacional de Belas Artes, a correção das portas foi uma das muitas etapas da restauração externa do espaço. Inaugurado em 1908, o museu ocupa um quarteirão da Cinelândia, no centro do Rio, e foi projetado pelo arquiteto espanhol Adolfo Morales de Los Rios no auge da belle époque carioca.

O edifício, de estilo eclético, mas com claras inspirações no Museu do Louvre, passou por sensíveis restaurações a partir de 2020. A mais difícil delas foi nas três cúpulas da cobertura, deterioradas pelo tempo.

João Legal Leal, arquiteto do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), responsável pela obra, diz que a cúpula central, com mais de 16 metros de pé direito, nunca havia sido restaurada desde 1908.

As cúpulas quase foram demolidas e reconstruídas pelos técnicos —seria mais fácil, eles afirmam—, que no fim optaram por restaurá-las. Foi preciso construir lajes dentro do museu para sustentar andaimes de mais de 40 toneladas para permitir que os operários alcançassem o topo da cúpula. A montagem atrasou a obra em cerca de um ano. A reforma externa, com custo de R$ 26 milhões, é considerada concluída.

“É preciso treinar os operários, porque além de serem alpinistas, eles precisam tratar todas as estruturas com o maior cuidado. A cúpula tem não mais do que dez centímetros de espessura”, afirma Leal.

O Museu Nacional de Belas Artes no Rio possui a maior coleção de arte brasileira do século 19. Está lá o quadro “Primeira Missa no Brasil”, de Victor Meirelles.

No chão de uma das cúpulas, funcionários decaparam as camadas de concreto e acharam o piso original, de 1908. Na fachada, com mais de 30 esquadrias, os vidros danificados por vandalismo, como pedradas, foram reproduzidos com uso de um ácido que recuperou desenhos originais.

O edifício, vizinho do Theatro Municipal, foi criado como escola de belas artes. Tornou-se museu em 1937.

Fechado para visitação, o plano da direção é reabri-lo em etapas a partir do início de 2026, com novos ambientes para as obras expostas. Também deve ter uma nova climatização —o prédio foi projetado para receber muita luz natural, o que esquenta alguns ambientes.

Esta segunda etapa da obra, que envolve refrigeração e parte elétrica, deve custar mais R$ 42 milhões.

A adaptação às temperaturas atuais é também um desafio no palácio Capanema, a dois quarteirões dali, cuja reforma está na etapa final. O prédio, que serviu como sede do Ministério da Educação e Cultura, foi projetado com janelas em fita, estilo que proporciona maior entrada de luz natural e circulação de vento.

A Concrejato, empresa de engenharia responsável pela obra, precisou da aprovação de um conselho de notáveis de arquitetura para iniciar um projeto de refrigeração do prédio.

Elaborado por Lúcio Costa e um grande time de arquitetos de 1937 a 1945, o Capanema foi posto de pé já na era da fotografia em cores, o que colaborou para a reconstituição.

Segundo o Iphan, o restauro manteve as cores originais, como o amarelo nos pilares, o azul das persianas e o piso cor de berinjela, cuja tonalidade original “foi preservada graças à continuidade da fabricação do material pelo mesmo fornecedor da época”.

“Para chegar a essas cores, foi realizado um estudo das camadas pictóricas das paredes e dos pilares, além de consultas a documentos históricos disponíveis no Arquivo Central do Iphan e no arquivo da superintendência do estado”, afirma o presidente do Iphan, Leandro Grass.

“É preciso criatividade”, diz Eduardo Viegas, CEO da Concrejato. “A gente reproduziu as luminárias originais do Capanema. Isso não se encontra em nenhuma loja, então arrumamos uma empresa que forja vidro e fizemos réplicas.”

A Funarte (Fundação Nacional de Artes) é a primeira a reocupar parte do edifício. Seções da Biblioteca Nacional e do Iphan também devem se mudar para o prédio.

“O palácio diz muito sobre a cultura brasileira, sobre a resistência do setor e o nosso projeto de país”, diz a ministra Margareth Menezes (Cultura), em nota enviada pela assessoria.

Na estação Leopoldina, por onde o trem de prata entre Rio e São Paulo circulou até o fim dos anos 1990, o desafio é recompor o material original da fachada, o pó de pedra, que possui tom terroso. A estação foi inaugurada em 1926 e tem arquitetura de inspiração inglesa.

“O desafio é, no laboratório, fazer aquela formulação de pó de pedra da década de 1920 para que seja o mais próximo possível do que estamos buscando em termos cromáticos e de resistência do material”, afirma Ubirajara Mello, superintendente comercial da Concrejato, que também atua na obra da Leopoldina.

O prédio, que pertencia ao governo federal, foi repassado à prefeitura, que deu início às obras, ainda sem prazo para conclusão. Também não há definição sobre o que a antiga estação abrigará. Um dos planos é construir uma “Fábrica do Samba” para as escolas do grupo de acesso.

Outros planos são ocupar a antiga plataforma da estação com eventos e criar salas de aula para institutos de arte.

A obra tem custo estimado pela prefeitura em R$ 80,9 milhões. “Boa parte dos cariocas tem a imagem de uma Leopoldina já cinza. Cada novo dono do prédio incluiu uma nova camada de tinta, e parte importante da restauração é saber qual momento da história você vai privilegiar”, diz Mello.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *