Curiosidades da numeração grega – 18/02/2025 – Marcelo Viana

Creio que ainda se ensina na escola que os romanos representavam os números por letras: 1=I, 5=V, 10=X, 50=L, 100=C, 500=D e 1.000=M. Era um sistema muito ruim, mas o prestígio da civilização romana fez com que sobrevivesse até os nossos dias.

O alfabeto romano, que também usamos, é uma adaptação bastante direta do alfabeto grego, e eu sempre achei que com os sistemas de numeração valeria o mesmo. Mas descobri recentemente que a coisa é um pouco mais complexa (e mais interessante!).

Para começar, os gregos antigos usaram mais de um sistema de numeração. O mais comum, chamado jônico, funcionava assim: as unidades eram representadas pelas nove primeiras do alfabeto grego: 1=α (alpha), 2=β (beta), 3=γ (gama), …, 9=θ (teta). Para as dezenas, usavam as nove letras seguintes: 10=ι (iota), 20=κ (capa), 30=λ (lambda)… Finalmente, as centenas correspondiam às últimas nove letras: 100=ρ (rô), 200=σ (sigma), 300=τ (tau), ….

A leitora sapeca deve estar pensando: “Hehehe, deram sorte que o número de letras deles era múltiplo de nove”. Bom, o alfabeto grego só tinha 24 letras…, mas eles resolveram isso usando também três letras arcaicas, que tinham caído em desuso na escrita.

Várias coisas chamam a atenção. A mais gritante é a ausência do zero, que só seria introduzido na Europa, pelos árabes, na Idade Média. Por causa disso, enquanto podemos representar três unidades, três dezenas e três centenas com o mesmo símbolo, 3, com um número adequado de zeros à sua direita, os gregos eram obrigados a usar três letras diferentes: 333 se escrevia τλγ.

Ora, desse modo as letras se esgotam logo: o sistema jônico só permitia representar os números até 999 (eles tinham um truque para mitigar essa limitação, mas não vem ao caso aqui).

Arquimedes (287-212 a.C.) deve ter achado isso claustrofóbico quando, em “O Contador de Areia”, se propôs a calcular quantos grãos de areia cabem no universo. É óbvio que esse número é muito maior do que 999, então como representá-lo?

Antes de comentar a resposta, façamos uma pausa para meditar sobre a tarefa que Arquimedes se atribuiu. Quase posso escutar o povo de Siracusa questionando: “Para que serve isso na prática? Quem está financiando essa perda de tempo?”. Afinal, números até 999 eram mais do que suficientes para tudo o que os gregos faziam no dia a dia. Por que alguém gastaria seu tempo e esforço com algo sem utilidade?

Eu adoraria saber a resposta de Arquimedes, ele que sempre se destacou nas aplicações práticas do conhecimento científico (como os romanos descobriram, da pior forma possível, durante o cerco de Siracusa).

Nos mais de dois milênios seguintes nos deparamos com inúmeras questões, da cosmologia à mecânica quântica, que requerem números muito maiores (e muito menores), e Arquimedes será para sempre o primeiro a ter intuído essa necessidade. Mas suspeito de que neste caso ele tenha sido movido mesmo pela curiosidade, a vontade de entender até o que “não serve para nada” que nos fez descer das árvores e chegar até aqui, talvez o traço que mais nos aproxima da divindade.

Mas o que mesmo Arquimedes fez em “O Contador de Areia”? Acabo de perceber que a esta altura já gastei todo o espaço da coluna de hoje… Na próxima conto, prometo!


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