O delegado seccional Jair Barbosa Ortiz, que comanda as delegacias do centro de São Paulo, deixou o cargo em meio a uma investigação que aponta a participação de policiais civis num esquema de tráfico de drogas na área de sua jurisdição.
A substituição dele foi registrada inicialmente no Diário Oficial do Estado sob justificativa de férias no último dia 25. Nesta quarta (5), sua saída foi confirmada em definitivo.
À Folha, Ortiz afirmou que propôs o próprio afastamento a seus superiores por achar “que era um momento de esclarecer as coisas” e que avaliava que não havia mais condições de chefiar a equipe após a investigação da Corregedoria prender policiais.
Procurado novamente na noite desta quinta (6), após sua saída ser confirmada no Diário Oficial, o delegado disse que deixou o cargo para cuidar da saúde, sem ligação com a investigação em andamento.
Ortiz era o delegado seccional responsável pelo centro desde janeiro de 2023, quando teve início o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos). Ele foi indicado ao cargo pelo vice-governador, Felício Ramuth (PSD).
Antes disso, Ortiz era diretor do Departamento de Polícia Judiciária de São José dos Campos, cidade em que Ramuth foi prefeito até 2022.
A indicação ocorreu em meio à escolha de Ramuth, por Tarcísio, para coordenar os esforços do governo estadual para lidar com a cracolândia. Ortiz substituiu o delegado Roberto Monteiro, idealizador da Operação Caronte, que dava ênfase à repressão policial ao tráfico de crack, prendeu 196 pessoas e promoveu a dispersão de usuários de drogas que estavam na praça Princesa Isabel, nos Campos Elíseos.
Na investigação atualmente em curso contra policiais civis, a Corregedoria aponta indícios de que eles forjavam apreensões de cocaína, trocavam a droga pura por uma mistura que incluía talco e gesso, e vendiam a droga por conta própria.
Mais de uma denúncia à Corregedoria relatava que o esquema envolvia um fornecedor de cocaína que enviava carregamentos partir de Mato Grosso, e também a participação de peritos do Instituto de Criminalística que assinavam laudos para atestar a presença de cocaína no material enviado para análise.
Três policiais civis e outros dois suspeitos já foram presos sob suspeita de conexão com o esquema. Entre os detidos está Cleber Rodrigues Gimenez, que foi chefe dos investigadores do 77º DP (Santa Cecília), apontado como o responsável por coordenar as falsas apreensões.
Segundo representação da Corregedoria apresentada à Justiça, foi constatado que a partir do momento em que Gimenez assumiu o cargo, “houve aumento expressivo do número de prisões por tráfico de drogas, tendo sido apreendidas grandes quantias de entorpecentes, em sua maioria fora da área de atribuição da unidade policial, o que foge ao padrão de ocorrências feitas em unidades territoriais”.
O documento também cita um “vasto histórico” do policial em investigações de órgãos de controle por suspeite de envolvimento com o tráfico de drogas e organização criminosa. Questionada por email há mais de uma semana, a defesa de Gimenez não respondeu.
O chefe de investigação da 1ª Delegacia Seccional, Elvis Cristiano da Silva, foi alvo de um mandado de busca e apreensão e deixou o cargo no dia 11 de fevereiro. Além disso, a titular do 77º DP, delegada Maria Cecília Castro Dias, foi afastada por medida judicial. Elvis e Maria Cecília são citados em investigação.
A reportagem entrou em contato com os dois, mas eles não responderam nem atenderam as ligações.
Segundo as denúncias enviadas à Corregedoria, Elvis teria participado da organização de um rodízio entre as delegacias do centro para o registro de apreensões de drogas, para evitar que o volume de cocaína apreendida num só distrito chamasse atenção dos órgãos de controle, .
Uma denúncia à qual a Folha teve acesso também envolve o delegado seccional Ortiz no esquema do rodízio. A descrição do funcionamento do esquema, nesse caso, é similar às demais denúncias e atribui ao delegado seccional um papel de coordenação no suposto rodízio de delegacias, em parceria com Elvis.
Conforme policiais ouvidos pela reportagem, a Corregedoria da Polícia Civil ainda não considera Ortiz formalmente investigado.
O delegado afirmou que soube da denúncia contra ele, classificou o conteúdo como fantasioso, e afirmou que “as hipóteses de investigação vão dar em nada”. Ao mesmo tempo, defendeu que o inquérito da Corregedoria seja conduzido com imparcialidade e lisura: “seja carta anônima ou não seja, tem de ser investigado”.
Ele criticou o vazamento da investigação à imprensa e afirmou que há um tratamento condenatório para um caso que ainda está em andamento.
Ortiz ainda afirmou que foi dele a decisão de levar o investigador Gimenez para delegacias da seccional do centro, e que houve aval da Corregedoria. No momento em que o investigador foi transferido para o 2º DP no Bom Retiro, em 2023, já havia um relatório da Corregedoria sobre ele apontando para “incompatibilidade patrimonial” e pedindo mais investigações, que resultaram em sua prisão.
Ortiz disse que desconfia que as cartas anônimas sejam de autoria de um policial que demonstrou ter ficado frustrado ao ver recusado um pedido de promoção. “Ele se desgostou porque queria ser o chefe de uma unidade policial e não tinha condições disso, aí ele pediu pra ir embora da seccional”, contou. “A partir daí, esse cara fez uma carta anônima.”
As prisões de Gimenez, e de outras quatro pessoas ocorreu após a Corregedoria ver indícios de lavagem de dinheiro. Relatórios do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e uma quebra de sigilo bancário autorizada pela Justiça apontaram “uma série de transações financeiras irregulares” do policial e de sua empresa, uma revendedora de carros, segundo a polícia.
Em cinco anos, ele movimentou R$ 81 milhões. Outro alvo da investigação foi Maxwel Pereira da Silva, que entrou no radar da Corregedoria por causa do fato de Gimenez e sua mulher terem vendido a ele e depois recomprado um terreno num condomínio em Igaratá, no interior paulista.
Num endereço de Maxwel, a polícia encontrou vários tipos de droga e R$ 2,8 milhões em espécie. Os outros presos na operação são dois policiais civis (um deles, que também trabalhava no 77º DP) e um terceiro homem que faziam visitas constantes à casa.
A reportagem entrou em contato com Maxweel, mas ele não respondeu.