Frei Gilson como símbolo da direita é mérito progressista – 15/03/2025 – Cotidiano

Em menos de uma semana, o maior fenômeno midiático do catolicismo recente foi entregue de bandeja ao bolsonarismo.Frei Gilson possui mais de 7 milhões de inscritos em seu canal no YouTube, 8 milhões em seu Instagram e pode se gabar de ser acompanhado por mais de 3 milhões em suas orações feitas ao vivo às 4 da manhã. Rapidamente, perfis e grupos de esquerda o rotularam como bolsonarista, golpista e radical de direita.

Os perfis que atacaram frei Gilson reproduziram cortes de suas lives em que o religioso se posiciona contra o aborto e defende a posição do homem como chefe de família. Jair Bolsonaro (PL) enxergou na situação uma jogada tripla: posar como defensor dos religiosos, reforçar a narrativa da intolerância da esquerda aos cristãos e, de quebra, colar sua imagem ao frade. Acertou em todas.

Não demorou para que Michelle Bolsonaro (PL) e Nikolas Ferreira (PL) também fossem às redes sociais defender o frade. O efeito foi imediato. As menções ao nome de frei Gilson em grupos de WhatsApp e Telegram cresceram 1.000%. Na maior parte dessas menções, o que predominou foi a associação das críticas ao religioso como prova do sentimento anticristão da esquerda.

Os deputados Tábata Amaral (PSB) e André Janones (Avante) perceberam o tamanho do estrago. Janones, que foi um dos poucos aliados do então candidato Lula (PT) a conseguir fazer frente aos bolsonaristas nas redes sociais na eleição de 2022, disse que a esquerda mordeu a isca.

Mais ainda do que ter mordido a isca, a situação envolvendo frei Gilson é exemplar da incapacidade de amplos setores da esquerda brasileira em criar pontes de diálogo com lideranças cristãs. Ora, a posição de frei Gilson sobre o aborto acompanha princípios dogmáticos da Igreja Católica; não é uma exceção. Como sacerdote, é certo que o padre Julio Lancellotti, talvez o religioso católico mais palatável à esquerda atualmente, também esteja impelido a ter a mesma posição sobre o tema.

O fenômeno de frei Gilson é um lembrete eloquente: o Brasil continua majoritariamente católico, e o catolicismo, longe de morrer, se reinventa. Pelo contrário, os louvores da madrugada de frei Gilson mostram a pujança católica. Para quem acompanha de perto os movimentos entre religião e política, está muito claro que a direita brasileira já entendeu que o voto a ser disputado em 2026 será o dos católicos.

Em janeiro, escrevi nesta Folha que Nikolas Ferreira tem avançado com força entre os católicos. Menos de duas semanas depois, os resultados do Datafolha sobre a aprovação do governo Lula mostraram que o presidente perdeu significativamente o apoio entre os católicos, que antes eram uma base fiel.

A afinidade entre o catolicismo brasileiro progressista e grupos da esquerda parece ter se perdido por completo. As primeiras ações de defesa dos direitos humanos no país durante os anos 1960 e 1970 eram católicas. Assim como a experiência da Pastoral da Terra serviu como base para o surgimento de um dos maiores movimentos de defesa da reforma agrária do mundo, o MST. Foi também por meio das pastorais da favela que a luta por dignidade de vida de seus moradores ganhou forma.

Esse passado virtuoso, no entanto, parece ter sido esquecido por uma esquerda que se recusa a estabelecer diálogos produtivos e programáticos com lideranças cristãs. Um erro que a direita agradece. Em menos de uma semana, frei Gilson foi transformado em aliado do bolsonarismo. A direita avançou no tabuleiro de 2026 e cravou uma narrativa difícil de reverter: a esquerda não sabe lidar com cristãos. E o prejuízo já está dado.

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