Na rua Manuel Guilherme dos Reis, todos os domingos, centenas de pessoas se reúnem em volta dos músicos do Pagode da 27. A fama da roda de samba extrapolou as fronteiras do Grajaú e os eventos não atraem apenas quem vive no bairro do extremo da zona sul.
Moradores de outras regiões de São Paulo têm visitado o evento que completa 20 anos em 2025.
De forma geral, o samba sempre esteve presente nas periferias da cidade. Mas, ao longo das décadas, a zona sul não era a principal referência do ritmo.
Três outras partes da cidade costumam ser consideradas as mais tradicionais, tanto pelas rodas de samba, como pela presença de escolas históricas: Barra Funda, Bixiga e zona norte.
Na Barra Funda, no largo da Banana, é onde se acredita que surgiram os primeiros movimentos do samba paulistano. Ali também está a nove vezes campeã Camisa Verde Branco. No Bixiga, lar musical de sambistas como Geraldo Filme e Adoniran Barbosa, fica a Vai Vai, maior vencedora do Carnaval.
Já a zona norte, além de rodas de samba icônicas, reúne a maior quantidade de títulos no Carnaval de São Paulo, com 29 premiações.
Mas, se essas regiões se estabeleceram ao longo de décadas como os principais sinônimos de samba em São Paulo, nos últimos anos o Grajaú tem entrado nesse grupo e se consolidado como uma referência.
Nomes importantes do samba como Teresa Cristina, Mauro Diniz e Carica estiveram no bairro, participando do Pagode da 27.
O movimento cultural também virou um grupo e os sambistas podem ser vistos em várias partes da cidade, em apresentações solo, ou em parcerias com artistas como Criolo, Dexter, Martnália e Marcelo D2.
Mas nem sempre foi assim. Antigamente, o lugar no qual ocorre a roda de samba do Pagode da 27 era conhecido como Rua 27 e considerado um dos locais mais perigosos de São Paulo.
“Eu cresci no Grajaú e de fato aquela época dos anos 1990 era bem complicado. O bairro era perigoso e marcado por isso. Hoje, o Grajaú é um polo cultural. É muito importante o que a arte e a cultura estão fazendo”, afirma Jefferson Santiago, 43, um dos músicos do Pagode da 27.
Ele diz que percebeu impacto na autoestima dos moradores, até mesmo em relação a entrevistas de emprego. No passado, as pessoas evitavam dizer que moravam na região com medo de não passar no processo seletivo.
Porém, atualmente ele vê uma imagem diferente, em grande medida, devido às mudanças que a cultura tem proporcionado. E não apenas o samba. Grafite e rap são outros exemplos de expressões que ganham fôlego.
“As pessoas têm orgulho por conta de toda essa cena cultural que está acontecendo. As rodas de samba. O Criolo é um produto do Grajaú. A história é outra no bairro”, diz.
Guilherme Barros, outro integrante do Pagode da 27, afirma que o crescimento de movimentos culturais ocorreu de forma orgânica, por iniciativa dos moradores que foram identificando na arte um caminho para mudar a realidade da região.
“As pessoas colocaram isso em prática. O próprio surgimento do Pagode da 27 foi assim. Claro que a zona sul não tem uma tradição no Carnaval, com uma escola de samba campeã. Mas a gente vê uma evolução muito grande com a Terceiro Milênio, que é do Grajaú, no grupo especial. Já mostra que a zona sul tem muita força.”
A Estrela do Terceiro Milênio, citada na fala de Guilherme Barros, surgiu em 1998. Neste ano, terá sua terceira experiência desfilando na elite do samba paulistano.
Segundo a vice-presidente, Miriângela Moura, a ideia de criar a agremiação foi incentivada por diretores da Rosas de Ouro, tradicional escola de samba da Freguesia do Ó, na zona norte.
“A formação de uma escola no Grajaú foi incentivada pelo fato de ser, até então, uma região desprovida da cultura do samba e que, ao mesmo tempo, exportava grandes sambistas. As pessoas da zona sul atravessavam a cidade para participar de escolas de samba na zona norte”, diz.
Moisés da Rocha, apresentador durante décadas do programa “O Samba Pede Passagem”, na Rádio USP, afirma que essas comunidades de samba, como as que surgiram no Grajaú, não são apenas “batucadas”. Os grupos possuem um trabalho social diante da ausência do Estado.
“A zona sul antes não era uma região de tantas rodas de samba tradicionais, de escolas tradicionais, como zona norte, e [mesmo] zona leste. Foi através dessas comunidades que o samba se firmou. São quilombos de resistência cultural”, diz.
Outra dessas comunidades é o Samba da Praça Grajaú. Segundo os músicos que fazem parte do movimento, os eventos atraem centenas de pessoas, algumas de outros bairros da cidade.
Ronaldo Augusto da Silva, 52, conhecido como Gibi, conta que quando começou a roda de samba, há 12 anos, não aparecia quase ninguém, mas que nos últimos tempos a festa cresceu. Ele cita que em um dia de calor a praça chegou a reunir 3.000 pessoas.
Além de proporcionar lazer, Gibi diz que isso fortalece o comércio da região. Os eventos são gratuitos e bancados pelos próprios músicos, por isso, eles buscam viabilizar apoio público em relação a estrutura, em especial, banheiros químicos.
“Quantas vezes eu saí daqui para ir tocar no Bixiga. Hoje, quem quiser curtir pode ir no samba na quinta, na sexta, no sábado e no domingo. E ainda tem a Terceiro Milênio”, diz Alexandro de Oliveira, 48, outro membro do Samba da Praça Grajaú.
Os sambistas foram enfáticos em lembrar da influência que a comunidade Samba da Vela, de Santo Amaro, teve no Grajaú.
“O antológico Samba da Vela acaba influenciando o surgimento do Pagode da 27, de outros pagodes da região e de toda essa expansão. O Samba da Vela recebeu sambistas do Rio de Janeiro, amadrinhado pela Beth Carvalho. Influencia o Grajaú, Parelheiros e toda a região, na verdade”, diz Moisés da Rocha.