Igrejas evangélicas que incomodam Trump, que força têm? – 30/01/2025 – Cotidiano

A entrevistadora Rachel Maddow, da MSNBC, perguntou como a bispa Budde tem lidado com as ameaças de morte que vem recebendo de apoiadores do presidente Trump. A bispa respondeu “que não está tão certa de que queiram matá-la realmente, mas que alguns trumpistas ficariam felizes se ela encontrasse o destino eterno o mais rapidamente possível”.

Mariann Budde, seja pelo sermão sereno e corajoso diante do presidente Trump ou pelo humor com que vem lidando com a raiva dos trumpistas, demonstra que nem todos os cristãos evangélicos estadunidenses são fundamentalistas ou eleitores de candidatos ligados à direita.

Qual é a representatividade nos Estados Unidos da visão cristã sustentada pela bispa Mariann? Antes de mencionar percentuais, devemos observar as grandes divisões do cristianismo protestante no país. O protestantismo no país abriga diversas igrejas (metodista, anglicana, presbiteriana, luterana, batista), mas apenas duas tendências teológicas predominam: liberal e fundamentalista.

Liberais não interpretam a Bíblia literalmente, dialogam com a ciência e se engajam em causas de justiça social. Fundamentalistas, por outro lado, enfatizam a crença literal na Bíblia e a conversão religiosa, são hostis à ciência e, desde os anos 1970, tentam recuperar a influência da religião na esfera pública.

Cerca de 40% da população dos Estados Unidos se declara protestante: destes, 45% seguem tendências fundamentalistas, enquanto 24% se identificam como liberais. A má notícia para ambos os grupos é que eles têm diminuído em número. Assim como no Brasil, os sem religião, segundo o Pew Research, estão crescendo e já representam 28% da população, superando os 20% que se declaram católicos.

Desde o início do século 20, há controvérsias entre fundamentalistas e liberais, com os primeiros frequentemente atribuindo às lideranças liberais, como a bispa Budde, o declínio do protestantismo na América.

Dois fatores ajudam a explicar a resiliência do protestantismo liberal ao longo dos séculos. O primeiro é o sólido apoio financeiro para a formação de novas lideranças e projetos de justiça social. Por exemplo, a Igreja Episcopal Anglicana possui fundos de investimento superiores a US$ 11 bilhões. Universidades como Yale, Harvard e Princeton oferecem bolsas para líderes religiosos em cursos teológicos com ênfase em justiça social e inclusão da população LGBTQIA+. O Seminário de Princeton, vinculado à Igreja Presbiteriana, possui um fundo de US$ 1,358 bilhão.

O segundo fator é a migração de lideranças religiosas fundamentalistas para igrejas liberais. Igrejas fundamentalistas são mais eficazes em obter novas conversões, mas mantêm um grau maior de conflito com a sociedade moderna. Em busca de maior integração entre religião e modernidade, alguns religiosos acabam deixando suas raízes fundamentalistas e adotando a visão liberal ao longo de suas carreiras. O desempenho numérico superior dos fundamentalistas, paradoxalmente, sustenta a resistência dos liberais.

Esses fatores talvez não sejam suficientes para deter o declínio do protestantismo liberal na sociedade estadunidense, mas ajudam a compreender a resiliência dessa fatia menor, mais alinhada às mudanças comportamentais predominantes nos grandes centros urbanos.

Pastores e bispos liberais lideram igrejas cujos recursos financeiros vêm de fundos de investimento. Esse modelo, na prática, os torna menos dependentes dos dízimos dos fiéis, oferecendo maior liberdade para pregações e ações voltadas a grupos marginalizados. Isso também permite que assumam posições políticas controversas sem o risco de perderem sua base de sustentação financeira — como é o caso da bispa Budde.

Nem as ameaças de morte de trumpistas, que desejam que Budde se encontre logo com o Criador, nem os ataques de políticos como o congressista Mike Collins, que sugeriu deportá-la, conseguiriam calar as vozes do protestantismo liberal por justiça social. O protestantismo fundamentalista pode ser mais estridente, mas as igrejas liberais possuem recursos e expertise para continuar formando, por décadas, lideranças que defendem a justiça social e a inclusão.

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