Mãe solteira é o termo pejorativo que se usa para qualificar uma mulher que engravida fora do casamento.
Ele se baseia na fantasia de que o homem tem pouca ou nenhuma responsabilidade na concepção, o que faria dessas mães “virgens” Marias arrependidas. Trata-se de um paradoxo: onipotente ao engravidar por conta própria e decaída por ter cedido aos encantos de um homem. A figura do pai solteiro, por sua vez, não existe.
Solteira, solta, sem a chancela da lei matrimonial, com a sexualidade descontrolada, o termo deu lugar a mãe solo. A nomeação aqui não é sem causas e consequências, marcando uma virada no lugar dessas mulheres e fazendo o guarda-chuva que as irmana bem mais abrangente.
Mãe solo pode ser a mulher que engravidou em uma relação consentida ou não, cuja gravidez Estado e Igreja decidiram que ela deveria levar adiante à revelia de seu desejo. Nesses casos, fica difícil distinguir quando começa uma instituição e acaba a outra, fazendo do termo Estado laico mais uma quimera do que um fato.
É por mérito único e exclusivo dessas mulheres e de suas redes de apoio —compostas por outras mulheres— que as crianças, fruto dessa arbitrariedade, são cuidadas. Quando as instituições que deveriam proteger as novas gerações lhes viram as costas, as mulheres revelam sua posição ética: elas têm sido as guardiãs do cuidado.
Não importa o quão bem-sucedida profissionalmente, reconhecida ou descolada, a maternidade dá a nota do lugar da mulher na sociedade. Embora as mães vivam experiências socioeconômicas que vão do céu ao inferno, há algo do qual nenhuma delas escapa: elas são responsabilizadas pelas próximas gerações.
Se alguém vem rendê-las, é na condição de lhes fazer um favor, não de assumir a corresponsabilidade.
Essa situação, que desemboca na carga mental, leva muitas mulheres a reivindicarem a expressão mãe solo, menos por terem tido filhos fora de uma relação estável e mais para caracterizar a solidão que lhes é imposta. Junte-se a isso o fato de que elas são provedoras financeiras e teremos o caos atual.
Os homens têm abortado seus filhos indesejados, largando-os à própria sorte. Para muitos, separar-se da mulher equivale a separar-se dos filhos que se teve com ela. Os filhos só voltam a ser considerados como tais quando o pai, já na velhice, exige o cuidado ou o afeto que nunca lhes ofereceu.
Mesmo casais homoafetivos podem reproduzir, na parentalidade, a injusta divisão de responsabilidades, reforçando o ditado popular de que “mãe só tem uma”. Revela-se aí nossa dificuldade em pensar o cuidado de forma compartilhada.
As esposas tradicionais apostam em um modelo que começou a ruir nos anos 1950, no qual a dependência financeira e o risco de serem abandonadas as expõem ao submetimento e à violência.
As mães solo ainda têm muito pelo que lutar: pensões condizentes, guarda compartilhada responsável, licença parental equânime, equiparação salarial, enfim, justiça. Quando comparadas às sorridentes “trad wives” que inundam as redes sociais, aferradas à sua solidão, elas parecem exaustas e descabeladas. O feminismo é a luta pelo direito das mulheres à escolha e à liberdade.
Ninguém disse que seria fácil.
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