Um vídeo que mostra o atropelamento de um casal de ciclistas na cidade de São Paulo, em janeiro de 2023, ganhou destaque nas redes sociais na semana passada.
As imagens, captadas pela câmera de segurança de um clube, mostram o ciclista entregador Fernando dos Santos, na época com 32 anos, e a geógrafa Iara Lopes, 29, pedalando na ciclofaixa da avenida Rebouças (zona oeste) quando um Renault Kwid avança em direção aos dois.
Na sequência o casal tenta se proteger subindo na calçada, mas a motorista mantém o rumo e se choca contra as bicicletas. Iara consegue se manter em pé, mas Fernando é arremessado para frente. O carro não para, e quando está prestes a passar sobre o corpo do ciclista, caído na calçada, desvia para a pista.
Tentando impedir a fuga, Iara se agarra ao veículo, mas a motorista acelera, invade a ciclofaixa e a calçada pela segunda vez, quase prensa a ciclista contra outros carros e foge.
O casal sofreu escoriações e foi socorrido pelos funcionários do clube.
Com ajuda de testemunhas, Fernando e Iara descobriram a identidade da motorista, Amanda Balceskis, 37, que naquele dia prestava serviços para a Uber.
Em 30 de janeiro de 2023, cinco dias após a ocorrência, o casal abriu uma queixa-crime contra Amanda. Desde então o processo tramita no Fórum Criminal da Barra Funda, na zona oeste da capital, e tem a audiência preliminar agendada para o dia 17 de fevereiro.
Fernando conta que já passou por muitas situações difíceis desde que começou a trabalhar como ciclista entregador, em 2017, mas nunca se sentiu tão ameaçado como naquele dia.
“Eu tinha dado um tapa de alerta no capô do carro porque a motorista estava obstruindo a calçada e a ciclovia, coisa normal. Conseguimos passar, mas o carro veio para cima cantando pneu e nos acertou em cheio. Depois atropelou minha mulher mais uma vez. Achei mesmo que íamos morrer”, diz Fernando.
No processo foram anexadas imagens da câmera de segurança e postagens do perfil de Amanda no Instagram. Entre elas uma medalha com a suástica nazista e outras que, segundo os advogados do casal, “demonstram a personalidade violenta da autora” e associam “passageiros que deram uma nota mais baixa no aplicativo de transporte a macacos”.
Por telefone, Amanda confirmou à Folha que jogou o carro intencionalmente sobre o casal. “Ele tocou com os dedos no meu carro. Não gosto muito que encostem em mim”, disse. Questionada se não achava sua reação desproporcional, respondeu: “O meu foi suave, foi só um encostão.”
Sobre a postagem da suástica nazista, Amanda diz que só comentará após a audiência preliminar.
Em uma primeira manifestação nos autos, a promotora Eliana Guillaumon Lopes Vieira se opõe ao inquérito policial, que classificou o caso como lesão corporal culposa na direção de veículo automotor.
Para ela, a ação foi uma tentativa de homicídio doloso, “uma vez que há indícios suficientes de que a averiguada agiu com dolo eventual, assumindo o risco de causar um atropelamento e, como consequência, de matar alguém que estivesse em seu caminho.”
Contudo, em outras manifestações, a Promotoria modificou esse entendimento e classificou o caso como lesão corporal. “A despeito da gravidade e reprovabilidade da conduta perpetrada por Amanda, e embora ela tenha deixado o local dos fatos com seu veículo, a investigada não empreendeu velocidade suficiente a demonstrar que assumiu o risco de provocar a morte dos ciclistas”, escreveu a promotora Renata Teixeira de Andrade.
De acordo com o estudo “Gestão da Velocidade”, da OMS (Organização Mundial de Saúde), “pedestres, ciclistas, condutores de ciclomotor ou motociclistas correm um alto risco de lesão grave ou fatal quando um veículo a motor colide com eles ” a 50 km/h, que é a velocidade regulamentada na avenida Rebouças.
Para sanar o conflito, o Tribunal de Justiça encaminhou o caso ao Procurador-Geral de Justiça, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, que confirmou o novo posicionamento, de lesão corporal. . “Fernando, quando foi atingido na ciclofaixa, caiu no chão, mas se levantou em seguida e correu em direção ao veículo. Como Iara estava pendurada no carro, em nova atitude, Amanda mais uma vez subiu na calçada e deu um tranco com o carro, fazendo com que a vítima fosse arremessada contra um carro estacionado, mais uma vez sem cair. Na sequência, a investigada se evadiu. Portanto, de fato, os elementos dos autos reforçam o entendimento de que o dolo era apenas o de atingir as vítimas para, no máximo, lesioná-las”, pontua Costa.
Fernando diz que sua mulher está traumatizada, mas ele não pode parar de fazer entregas porque precisa sustentar a família —o casal tem um filho de 8 meses.
“Pelo fato de eu ser pobre, acho que não vai dar em nada. Se fosse ao contrário, eu Fernando, pobre, jogando o carro sobre uma pessoa com boas relações, já estaria preso”, disse ele.
Amanda, que trabalha como administradora (além de ser motorista de aplicativo), diz não se arrepender do que fez.
Por nota, a Uber diz que lamenta o caso e que a conta da motorista parceira está desativada da plataforma desde 2023. A empresa ressalta que tem uma equipe especializada sempre à disposição para colaborar com as autoridades.