Mudanças no clima lembram do cuidado bíblico com natureza – 11/03/2025 – Cotidiano

Em um domingo de fevereiro, igrejas lotadas no Rio de Janeiro ouviram sermões sobre fé e perseverança. Lá fora, a sensação térmica atingia 70°C — um recorde histórico. Em São Paulo, o mês foi o mais quente desde 1943. Ondas de calor se tornarão cada vez mais frequentes. Mas dentro dos templos, quantos fiéis refletiam sobre o papel da humanidade nesse caos climático?

Se as mudanças climáticas entregam recados divinos, este é um deles: a humanidade não está cuidando da natureza como deveria. Aliás, esse dever já aparece logo em Gênesis, o primeiro livro da Bíblia, quando Deus ordena que Adão cuide da criação. Mas por que, então, quando a crise ambiental vira pauta, muitos pensam no fim dos tempos e no livro de Apocalipse?

A resposta mais simples é que toda catástrofe ambiental em escala planetária se parece com o imaginário do fim do mundo—dor, destruição e devastação. Mas há uma outra justificativa menos cômoda: culpar a justiça divina é mais fácil do que assumir a destruição causada pelos seres humanos. Essa postura nos paralisa ao alimentar a expectativa de uma catástrofe iminente em vez de estimular mudanças.

Podemos enxergar a crise climática como o fim do mundo. Mas e se escolhermos falar sobre mudanças climáticas, a partir da esperança bíblica, como um convite ao cuidado ambiental?

O primeiro passo é reconhecer a desobediência humana em relação à ordem divina de cuidar da criação. Uma pesquisa do Datafolha de 2023 aponta que 78% dos evangélicos acreditam que as atividades humanas contribuem para o aquecimento global. Apesar disso, muitos líderes cristãos evitam tratar o tema. Em 2024, alguns deles disseram à Folha que há um constrangimento em abordar a crise climática nos púlpitos. O assunto ainda é visto como uma pauta política comprometedora.

Essa hesitação contrasta com a responsabilidade cristã de cuidar da criação. Integrar a preservação ambiental à fé não é apenas possível, mas necessário para a fidelidade bíblica. Afinal, a esperança bíblica transforma o medo da crise climática em compromisso comunitário com a criação.

O biólogo e doutor Tiago Pereira, da Associação Brasileira Cristãos na Ciência (ABC), coordena grupos de evangélicos engajados em questões ambientais e reforça a importância desse entendimento: “Temos uma perspectiva de esperança que é, ao mesmo tempo, uma perspectiva de trabalho. Trabalho no presente com esperança no porvir.” Em vez de alimentar visões ambientalistas catastróficas, essa abordagem inspira ações concretas no presente.

Ademais, o biólogo relembra Muir e Pinchot, ativistas que influenciaram o movimento de preservação e conservação ambiental nos Estados Unidos no século 19: “Ambos vieram de comunidades cristãs protestantes que endossaram o cuidado com a natureza”. Historicamente, cristãos são aliados da preservação ambiental, e recuperar essa herança ajuda a expor o tema com mais clareza.

Diante disso, como as igrejas podem contribuir para a sustentabilidade? Para começar, o Dr. Tiago incentiva a adoção de energia limpa e a adesão das igrejas como pontos de referência para reciclagem. Muitos desses esforços já acontecem, como a promoção de bazares, brechós e a doação e recolhimento de móveis para comunidades carentes. As igrejas também são notavelmente atuantes no socorro a desastres naturais e refugiados climáticos. Outras ações podem ser mais incentivadas, como a implementação de energia solar, que alia compromisso ambiental à economia financeira.

Falar sobre cuidado ambiental mostra que, entre Gênesis e Apocalipse, a esperança triunfa sobre o medo. Que esse tema ganhe mais espaço nas igrejas, não como uma pauta externa, mas como parte da fidelidade bíblica. A esperança cristã não é passiva: impulsiona os fiéis a serem cuidadores responsáveis pela criação divina enquanto aguardam pela redenção da natureza profetizada em Apocalipse.

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