Ao contrário do que muitos imaginam, o bolsonarista que vai às ruas não é majoritariamente evangélico, mas católico. Segundo dados do Monitor Político, desde 7 de setembro de 2021 até o ato do último domingo (16), nota-se uma tendência clara nas manifestações bolsonaristas: a presença católica supera a evangélica e se consolida ao longo dos anos.
Em 2021, a divisão era quase equilibrada. No ano seguinte, os católicos já representavam metade do público, enquanto os evangélicos encolhiam para um quarto. Desde então, essa predominância católica se mantém. No ato do último domingo, os manifestantes eram 45% católicos e 31% evangélicos. E isso não é apenas um reflexo da proporção nacional.
Há três décadas, os dados estatísticos sobre a religião dos brasileiros mostram que, a cada dez anos, 10% da população deixa de ser católica. Nas manifestações bolsonaristas, no entanto, essa diminuição não se reflete. Pelo contrário, a presença católica nos atos políticos do ex-presidente permanece alta e inabalável.
Em Copacabana, no domingo, o pastor Silas Malafaia foi o organizador do ato. O pastor e senador Magno Malta (PL) orou pela anistia, e Flávio Bolsonaro (PL) leu o livro de Provérbios. Apesar da forte presença evangélica no palco, a multidão exibia sinais evidentes de devoção católica. Muitos manifestantes carregavam escapulários no pescoço, enquanto outros seguravam rosários entrelaçados nas mãos — símbolos inconfundíveis da tradição católica.
O erro comum nas análises sobre o bolsonarismo religioso é fixar-se no palco e ignorar a plateia. A liderança do movimento, repleta de pastores e marcada pelo tom evangélico, sugere um domínio absoluto desse grupo. Mas a multidão conta uma história diferente: símbolos, ritos e discursos compartilhados demonstram que os católicos não apenas estão presentes — eles formam uma base significativa e ativa do bolsonarismo.
Mesmo sem sacerdotes no carro de som em Copacabana, foi enorme a sinergia dos católicos, com maior presença nas mídias sociais, e o ato pela anistia dos bolsonaristas.Esse alinhamento entre a base católica bolsonarista e o ato de Copacabana não aconteceu por acaso. No exato momento da manifestação, o padre Paulo Ricardo, uma das vozes mais influentes do catolicismo conservador no Brasil, publicava um vídeo em seu canal no YouTube. Com quase sete milhões de seguidores, sua mensagem ecoou amplamente em grupos de WhatsApp católicos, impulsionando a mobilização.
No vídeo, intitulado “Nenhum mal é eterno”, o sacerdote afirma: um dia, Deus “enxugará nossas lágrimas, e o anjo proclamará: ‘Caiu a grande prostituta que enganava as nações. Venceu o leão da tribo de Judá. E então iremos romper numa felicidade, num gozo’.” O vídeo foi reproduzido em grupos de WhatsApp católicos, seguido das imagens de Copacabana.
Enquanto isso, ao lado de seu pai, Flávio Bolsonaro discursava no carro de som: “Luiz Inácio enganou as pessoas pela última vez.” E terminou clamando pela volta de seu pai à Presidência da República.
A presença estável dos católicos nas manifestações sugere que, apesar da narrativa evangélica no palco, a base do bolsonarismo que vai às ruas pode estar ancorada em um conservadorismo católico que resiste às mudanças demográficas do país. A força do catolicismo na sustentação do bolsonarismo não depende da presença de sacerdotes no carro de som. Ela é mais sutil, menos histriônica e menos visível, mas não por isso menos eficaz.
Com algumas exceções, os recados dos sacerdotes bolsonaristas em suas paróquias continuarão sendo transmitidos por meio de metáforas e parábolas. É um modo de dizer, sem nunca se comprometer.
Bolsonaro parece ter entendido o jogo. Mesmo sem um padre ao seu lado no palco, sabe que pode contar com essa base. Não precisa de uma bênção pública. Basta um alinhamento discreto, publicizado no momento certo. Se o apoio evangélico se impõe no microfone, o católico reverbera na capilaridade silenciosa, na devoção mobilizadora e em líderes menos visados.