A Polícia Civil investiga empresas a serviço da PPP (Parceria Público-Privada) municipal da Habitação na cidade de São Paulo por suspeita de crime ambiental. O caso envolve um terreno contaminado há mais de 30 anos na Vila Leopoldina, na zona oeste, com denúncias de que uma escavação teria agravado a contaminação do solo e de que houve descarte irregular de resíduos, poluindo uma nova área.
O local, na avenida Imperatriz Leopoldina, é um antigo pátio de abastecimento de ônibus que chegou a pertencer à CMTC (companhia de ônibus municipal anterior à SPTrans) e à CET, companhia de trânsito. Reservatórios subterrâneos de óleo diesel são a fonte da contaminação, constatada pela primeira vez em 1993 —ano em que houve um vazamento de 7.000 litros do combustível.
Em 2019, parte do terreno foi incluído num programa de construção de moradia popular da prefeitura. O consórcio Uno, formado por cinco empresas, assinou contrato com a Cohab para a construção de 1.200 unidades habitacionais. Tanto o consórcio quanto a companhia municipal de habitação são responsáveis pelo terreno, e um plano de recuperação ambiental da área foi aprovado em setembro passado.
Policiais da delegacia especializada em crimes ambientais do DPPC (Delegacia de Polícia de Proteção à Cidadania) começaram a investigar o caso após moradores da região denunciarem que empresas contratadas para fazer a descontaminação —por meio da retirada de 3.980 toneladas de solo, na primeira fase do plano de recuperação— estariam descartando a terra contaminada de forma irregular, em locais que não tinham autorização para receber os resíduos.
No dia 29 de outubro de 2024, uma equipe policial foi ao local, viu um caminhão saindo carregado de lá e decidiu seguir o veículo. O destino era uma garagem de ônibus na Vila Talarico, na zona leste, onde o conteúdo da caçamba foi descarregado.
Os policiais fotografaram no pátio da garagem o descarte de paralelepípedos “misturado com restos de terra com cheiro muito forte de combustível, terra essa que estava pastosa e de coloração preta e cinza”, registra um relatório.
Nenhum certificado que autorizasse o transporte de resíduos contaminados foi apresentado pelo motorista do caminhão. A garagem de ônibus também não estava licenciada a receber qualquer tipo de resíduo, anota o documento.
Os paralelepípedos haviam sido vendidos pela demolidora Diez, contratada para fazer o desmonte de um galpão e de outras estruturas no terreno. Questionadas, tanto a Prefeitura de São Paulo quanto a Diez afirmaram que não havia solo contaminado no carregamento.
De volta ao terreno em 16 de janeiro, uma equipe de investigadores registrou que uma máquina drenava líquido de aspecto oleoso de cavas aberta no solo e o despejava em bocas de lobo, ou seja, na rede de captação de água da chuva e esgoto.
Um geólogo que trabalhava no local disse, em depoimento à polícia, que esse procedimento só ocorria após coleta de amostras e uma análise atestando que o líquido poderia ser destinado à rede.
Cerca de duas semanas depois, uma nova visita dos policiais constatou que uma das cavas havia sido fechada, e viu operários misturando resíduos líquidos com terra. Funcionários no local informaram que tratava-se de uma “busca de novos tanques e tubulações, mediante uma prospecção invasiva do solo”.
“E mais: tal iniciativa teria culminado no rompimento de tubulações, fazendo que o óleo emergisse”, registrou a equipe do DPPC. Seis escavadeiras e uma britadeira foram apreendidas.
Numa petição enviada ao delegado do caso, advogados da empresa Tecnohidro —responsável pela escavação, contratada pelo consórcio Uno— afirmaram que estruturas subterrâneas desconhecidas até então foram interceptadas durante as escavações.
A empresa afirma que quatro tanques subterrâneos, que não estavam mapeados, foram encontrados após esse incidente. Na petição, os advogados classificam a situação como “absolutamente imprevisível”.
Num despacho, o delegado João Batista Pires Blasi rebate algumas afirmações dos advogados, considerando pouco crível que nenhuma sondagem prévia tivesse identificado os tanques.
Ele também incluiu no documento várias imagens do óleo misturado à terra, indicando que haveria partes limpas do terreno e do entorno que ficaram manchadas com o poluente. O relato registra que a perita designada para fazer a análise do terreno “começou a ficar enjoada e com tontura devido ao forte odor por conta da emissão de gases que são produzidos pelas contaminantes”.
Para o advogado da Associação Vila Leopoldina, Cláudio Castello de Campos, o caso é exemplar da falta de fiscalização municipal de áreas de interesse do meio ambiente. Ele dedicou boa parte dos últimos anos ao estudo do histórico de terreno, que foi tema de uma disputa de interesses durante a discussão do PIU (Projeto de Intervenção Urbana) Vila Leopoldina. “É uma consequência da omissão histórica do poder público ao não fazer o gerenciamento ambiental das próprias áreas contaminadas. Isso vem se arrastando há muitos anos”, disse.
A associação afirma, com base no relato de quem mora ao redor, que a escavação agravou a poluição no local. “É uma contaminação nova, daquilo que estava retido ali e poderia ter sido descartado corretamente”, diz o presidente Umberto de Campos Sarti. “Vários moradores estão passando mal por causa do cheiro, que começou cerca de 20 a 30 dias atrás.”
Questionada, a Prefeitura de São Paulo afirmou que “não houve vazamento do material contido nos tanques, que permanecem isolados até que a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) emita o Certificado de Movimentação de Resíduos de Interesse Ambiental (CADRI) para a destinação adequada”.
Disse, ainda, que “a concessionária responsável pela obra colabora com as investigações, tendo já prestado esclarecimentos sobre os trabalhos no local”. A gestão Ricardo Nunes (MDB) afirma que apenas após a conclusão da remediação ambiental e a aprovação dos parâmetros exigidos, as obras da PPP da Habitação terão início.
O consórcio Uno e a Tecnohidro disseram que os esclarecimentos seriam feitos apenas através da companhia municipal.