A Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) instaurou inquérito civil para apurar formação de cartel na contratação de obras emergenciais por parte da Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras (Siurb) da capital.
A investigação cita “afronta à obrigação de licitar” com “indícios de favorecimento a empresas pertencentes a pessoas ligadas diretamente ao prefeito Ricardo Nunes (MDB)”, mas esses indícios não aparecem na portaria de instauração.
A denúncia foi apresentada em abril do ano passado pelo deputado federal Guiherme Boulos (PSOL), que viria a ser derrotado por Nunes nas eleições municipais, e aponta indícios de sobrepreço e superfaturamento em obra emergencial em um córrego que desemboca no Jardim Pantanal, na zona leste, realizada entre 2022 e 2023.
Procurada, a prefeitura disse à Folha que as contratações de obras emergenciais seguem todos os ritos legais vigentes, atendendo integralmente os requisitos exigidos. “A intervenção citada, às margens do Córrego Lajeado, foi necessária para conter o processo de erosão que colocou em risco iminente de desabamento mais de 50 casas. A obra foi executada conforme o projeto aprovado, e entregue em abril de 2023”, continuou.
Além da gestão Nunes, também é investigada a Abcon Construtora e Engenharia, empresa que pertence a Bruno Roberto Braga, filho do casal Walter Roberto Braga e Cintia Barros, donos da B&B Engenharia e BBC Construções. Como revelou reportagem do UOL no ano passado, as três empresas haviam assinado 38 contratos no total de R$ 751,1 milhões com a Prefeitura de São Paulo desde que Nunes chegou ao poder. A Folha mostrou em 2023 o crescimento dessas contratações emergenciais.
A Folha não conseguiu contato com a Abcon —o telefone indicado no contrato só dá ocupado. O MP-SP também apontou que 35 dos 38 contratos com o trio de empresas traziam indícios de conluio entre companhias que deveriam concorrer entre si.
O inquérito trata especificamente de uma obra da Abcon para contenção de margem do córrego Lajeado, no Itaim Paulista (zona leste), que desemboca no Tietê poucos metros adiante, onde ocorreu o alagamento no Jardim Pantanal.
O contrato investigado pela Promotoria foi firmado em 2022 pela Secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras, que pagou R$ 18,4 milhões pela obra.
No mesmo dia, 24 de fevereiro, um relatório técnico de um engenheiro da prefeitura constatou “um avançado processo erosivo nas margens do córrego” e indicou a necessidade de uma ação emergencial, segundo a investigação.
A prefeitura, ainda segundo a Promotoria, enviou carta a três empresas para “verificar a possibilidade de executar de imediato as obras”, e a Abcon apresentou sua proposta e todos os documentos necessários (a maior parte deles expedidos dois dias antes). A secretaria, então, assinou a ordem de início.
Das duas outras empresas convidadas, uma declinou de apresentar proposta e a outra fez oferta considerada inferior à da Abcon.
Em resposta ao MP, a prefeitura usou o relatório de vistoria, que contém uma página de texto e oito fotos, para justificar a contratação emergencial.
“A contratação direta, sem o devido procedimento licitatório, conforme o caso em tela, se justifica em razão de referida obra ser considerada caráter emergencial, pois de acordo com o Relatório de Vistoria, possuía risco iminente em evolução, bem como grave situação no local”, disse a Siurb.
O órgão também disse que “pauta todas suas ações e procedimentos administrativos balizada pelos ditames legais e normativos, valendo-se de critérios técnicos (relatórios, laudos e pareceres) em conformidade com a legislação vigente à época das mencionadas contratações”.
O inquérito civil também cita relatório do Tribunal de Contas do Município (TCM), que se debruça sobre essas contratações emergenciais. Esse relatório aponta que a Abcon, por seu capital social e por seu patrimônio líquido, estaria qualificada, em condições normais de habilitação em licitações, para celebrar contratos de valores de até R$ 3,7 milhões. Por cinco contratos, ela recebeu R$ 40 milhões da prefeitura.