Rio tem rodas de samba todo dia; saiba onde tem – 08/02/2025 – Cotidiano

A ainda insuficiente historiografia do samba registra ao menos duas passagens fundamentais para o surgimento do gênero no início do século 20.

Primeiro vieram os encontros com música, candomblé e comida na casa das tias baianas, no centro do Rio de Janeiro dos anos 1910 e 1920. Fazia-se um samba amaxixado. Depois, os encontros de compositores no Estácio de Sá resultaram num estilo mais moderno de compor e cantar, como os sucessos das décadas de 1930 e 1940 interpretados por Francisco Alves.

Houve ainda uma última revolução do gênero, surgida no bloco Cacique de Ramos na década de 1970.

Hoje, se não há grandes revoluções na forma de fazer o samba —músicos afirmam, inclusive, que ele vive crise criativa—, as rodas do Rio vivem fase de ouro, com eventos em espaços abertos, muitos gratuitos, lotando todos os dias. Ruas desertas e praças esquecidas se tornaram pontos de encontro.

Foi assim com o Samba da Volta, que começou em 2021, na fase em que a pandemia arrefeceu —vem daí o “da Volta”— e se tornou um dos maiores movimentos culturais da cidade.

“O samba nasceu na rua do Ouvidor, no centro, de uma roda entre amigos, e deu certo com divulgação e comunicação. A gente se comunica muito com o público, e aprendi isso com o meu pai”, afirma o músico Eryck Quirino, um dos fundadores, filho e neto de uma linhagem de percussionistas cariocas.

A Prefeitura do Rio criou um edital de credenciamento de rodas de samba, uma espécie de circuito com os eventos mapeados por localização e dias da semana.

Atualmente, 150 rodas de samba estão cadastradas e são tratadas como oficiais, recebendo atenção das subprefeituras.

Para fazer parte do circuito os produtores precisam apresentar portfólio de atuação cultural e comprovar que a roda tem, no mínimo, dois anos de atividade. Há dezenas de outras sem status de oficiais.

O Rio tem rodas de samba todos os dias, de segunda-feira a domingo, de manhã até a noite. Tantas que Mateus Alves, 27, resolveu dedicar seu tempo a divulgá-las, criando a página Onde Tem Samba, que é também uma lista de transmissão diária, via WhatsApp, para avisar horário e endereço de cada uma.

“As pessoas sempre me perguntavam onde tinha samba bom. Era um momento de pós-pandemia, alguns sambas tinham acabado e tinha pouca informação nas redes sociais. Foi uma época em que estouraram muitas páginas sobre o que fazer no Rio, o que comer no Rio. Criei um espaço para informar onde tem samba.”

Às segundas lotam as rodas de samba do Trabalhador, já famoso evento liderado por Moacyr Luz no Clube Renascença, na zona norte, e a Pedra do Sal, no centro, preferida dos mais jovens e turistas pelo clima de paquera e uma espécie de caos organizado, com barraquinhas de comida e bebida na rua.

As noites de terça são do Pagode da Garagem, na praça Tiradentes, no centro. Às quartas, o Tô No Trabalho, Amor, reúne grande time de músicos em Madureira.

Na quinta, o Amendoeira, bar de esquina em Maria da Graça, zona norte, recebe o samba Rangell e Batucada.

Outras dezenas de rodas pipocam em diferentes partes do Rio de quinta a domingo. São eventos em feiras, bares, quadras de grêmios recreativos e ruas. Quase todas as rodas usam uma lona colorida para proteger músicos e público do sol e da chuva.

Tijuca e centro reúnem mais de 60 rodas. O subúrbio da zona norte tem ao menos 41 rodas de samba, a zona sul 14 e a zona oeste outras 31 —entre aquelas cadastradas na prefeitura.

Essa mobilização não chega a ser novidade neste século. Na década de 2000, um movimento fez surgir redutos como o bar Semente, na Lapa, o Candongueiro, em Niterói, e o Trapiche Gamboa, na zona portuária, onde nomes como Grupo Semente, Teresa Cristina, Eduardo Galotti e Moyseis Marques apareceram.

A diferença da atual pequena revolução, segundo produtores e músicos, está na quantidade de eventos, na localização e no comportamento do público.

Antes, a maioria das rodas era dedicada aos fãs do gênero, que muitas vezes pediam os mais raros sambas. Hoje os eventos recebem todo tipo de frequentador, que prefere aproveitar um evento na rua a um espaço fechado.

“Quando você aprende um samba, quer conhecer outro”, afirma Quirino. “É legal ver o público do samba crescendo e cada vez mais jovem. Isso é o que mantém o samba comunicando.”

A mudança no perfil do público altera também o repertório de algumas rodas, que incluem mais sucessos arrasa-quarteirão e seguram a mão em sambas “lado B”.

“O que mais gosto é cantar as músicas que ouço e as que componho, mas tenho que entender que, em alguns momentos da roda, é necessário cantar o que o público espera. É uma relação de troca”, afirma o compositor Lucas Machado, líder do Samba da Aurora, em Campo Grande.

O público muda a partir da geografia da cidade, dizem os organizadores. Bruno Bené, um dos fundadores da roda de samba e centro cultural Fruta do Pé, em Inhoaíba, extrema zona oeste do Rio, afirma que seu evento atrai frequentadores de maioria negra e gente que gosta de samba.

Ele afirma ainda haver um desequilíbrio: apesar de o evento receber frequentadores até de outros estados, cariocas do centro e da zona sul ainda evitam se deslocar à zona oeste.

“A gente explodiu na internet e vem gente de todas as partes do Brasil, mas ainda assim tem aqueles que não querem vir. Falam do bairro como se fosse perigoso, mas não tem nada disso. Existe um pouco, sim, de preconceito.”

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