Ser mãe: Virei medrosa depois da maternidade – 26/01/2025 – Becky S. Korich

Medo de faltar leite. Esse foi o primeiro. Eu sentia uma facada de culpa no fundo do peito, porque, do lado de fora, o leite estava ralo. Não jorrou leite, mas o bebê ficou gordinho e bem nutrido, apesar da minha neura.

Depois veio o medo básico: será que ele está respirando? Eu me levantava sete vezes no meio da noite para colocar o dedo debaixo de suas narinas e só me acalmava depois de sentir o arzinho quente saindo do seu nariz.

Quando eu saía para trabalhar, o medo era de que ele estivesse chorando de fome, frio, dor, saudades, e eu não estivesse perto. Mas quem sentia dor de saudades era eu. Eu é que queria ele perto de mim.

Esses medos-delícias da primeira fase da maternidade passam logo, são os medos maiores que ficam.

Já saltei de paraquedas, pedi carona com amigas na estrada, fiz merg ulhos profundos, travessias em mar aberto desacompanhada, mas nada se compara ao temor maior: o de não poder falhar como mãe. Ideia tão ridícula quanto achar que a felicidade dos filhos depende dos pais.

Tenho medo de ficar doente, medo de ele ficar doente. Medo do avião cair, de não ter dinheiro, de ele fazer más escolhas: amigos, profissão, hábitos. Medo de ele sofrer bullying. Medo maior de ele fazer bullying. Medo de que uma mulher faça mal a ele, de ele sofrer injustiças, decepções. Medo de que nenhuma mulher faça mal a ele, de ele nunca sofrer injustiças e decepções. Medo de ser eu essa mulher a fazer mal a ele, a cometer injustiças e causar decepções.

Morro de medo de ser um peso, dar trabalho, depender dele.

Ter a sabedoria de agir na medida certa é praticamente inconciliável com a maternidade. Tenho medo de dar demais e medo de dar pouco, de fazer faltar e de deixar sobrar, de entregar na mão e de complicar o caminho. Medo de não saber até onde ir, até onde proteger, até onde prender, até onde deixar solto.

Quando, na mesma idade dele, eu fazia as coisas que hoje tenho medo de que ele faça, eu não sentia nenhum medo. Os tempos são outros, é a desculpa que eu uso. Mas é justo que eu o impeça de se arriscar? Tenho medo de ser essa mãe, que não dá para o meu filho a mesma liberdade que tive para fazer minhas escolhas certas e erradas.

Já não tenho mais medo de reclamações e de ele me culpar por tudo que não dá certo na vida dele. Nem de que ele sinta frio, coma porcarias, ande com o cadarço desamarrado, durma tarde. O medo é de que ele não aprenda a ser o protagonista –e que eu não saiba ser a figurante.

Medo de ser mico ou chata eu também não tenho mais, é só uma questão de tempo. Não dá para ser uma amiga-mãe descolada, sem algumas caretices que a sabedoria de vida nos faz ter. Meu pavor é da distância, da desconexão, da quebra de confiança.

Tenho medo de que ele guarde segredos importantes de mim. Ao mesmo tempo, tenho medo de que ele me conte tudo. Medo de que ele cresça demais, que se leve a sério demais, que pare de brincar. Medo de ele não leve a sua criança para a vida adulta.

Tenho medo de ele ficar longe das artes e da natureza. Medo de que as telas o afastem da natureza e das artes, de que as redes façam mal a ele —e de eu não ter moral e não ser o exemplo. Se não é por mim, é por ele que eu tenho que enfrentar o vício.

Os filhos crescem, os medos permanecem. Mas junto com eles vem o alívio de que há coisas que só a vida pode ensinar.


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